sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mercedes y yo (por Andrey Schlee)

       Nunca poderei esquecê-la. Tenho tudo guardado em minha memória.
      Ouvi pela primeira vez a voz de Mercedes em Cáceres, Mato Grosso. Sim, no meio do pantanal e na fronteira com a Bolívia. Na praça da pequena cidade, um estudante do projeto Rondon ligou seu toca-fitas portátil e, sem perceber o que estava fazendo, me apresentou para ela. Ainda estranhos, ela só cantou Canción para un niño de la Calle. E logo repetiu inúmeras vezes: A esta hora exactamente, Hay un niño en la calle.... ¡Hay un niño en la calle! E eu nunca mais a esqueci, tampouco do que ela cantava: Pobre del que ha olvidado que hay un niño en la calle. Que hay millones de niños que viven en la calle. Y multitud de niños que crecen en la calle.
       Anos depois, cursei arquitetura e ela, definitivamente, passou a cantar a trilha sonora da minha vida. No meu casamento, foi com Gracias a la vida que entrei na igreja!
      Mas antes, quando morava em Porto Alegre, Mercedes inaugurou uma boate chamada L’Atmosphere – coisa fina e muito cara!  Programa impraticável para um simples estudante que dividia um pequeno apartamento com os primos Ana e Alexandre. No entanto, no dia da apresentação, recebi minha primeira bolsa de mestrado. Sem pensar, corri para a tal boate na busca do meu desejado ingresso. Nada feito! Casa lotada!!! Só restava uma mesa com quatro lugares, com direito a jantar e champanhe. Comprei!!! Por sorte, só eu a ocupei. Mesa perfeita, bem na frente do palco. Cara a cara com ela. Os dois sentados, um cantando o outro chorando... E ela cantou Vuelvo al Sur, como se vuelve siempre al amor, vuelvo a vos, con mi deseo, con mi temor. Gastei todo o dinheiro da bolsa e não jantei e não bebi a champanhe! Mas fui recebido por ela!!!!
      Em um camarim exalando Anais Anais, finalmente nos encontramos! Ela estava constrangida pela boate que acabara de inaugurar. E eu tremendo... Perguntou se havia gostado do espetáculo e se conhecia seu repertório. Disse-lhe apenas que estaria em Pelotas para ouvi-la mais uma vez e que adorava a canção Oh Melancolia. Surpresa pela resposta fora do contexto, cantarolou a canção e afirmou: --  vou cantá-la em Pelotas!! Olga Gatti interrompeu nosso encontro carregando um buque de rosas vermelhas. Levantei, entrei num taxi e voltei para a realidade.
      De Porto Alegre, ainda na noite de sexta-feira, corri para Pelotas. Não poderia perder a oportunidade que se avizinhava.
      No sábado pela manhã, dia 10 de novembro de 1990, fomos eu, o pai e a mãe para o Teatro Sete de Abril a fim de, no seu foyer, participar da cerimônia de lançamento de uma mostra de música latino-americana. A cicerone havia sido minha professora de história da arte (mas não notou minha presença...). A grande atração, no entanto, ao ser apresentada às autoridades municipais, carinhosamente, apontou em minha direção e disse: “— e esse é o jovem para quem vou cantar Oh Melancolia!”. Como prometido, naquela mesma noite, Mercedes Sosa, cantou a bela canção do cubano Silvio Rodríguez.
      Sempre humilde, generosa e carinhosa, Mercedes também me deu muitas lições...
(PS.: isso explica, em parte, a origem de meus 59 CDs, todos gravados por Mercedes Sosa contendo as nossas canções)

Nenhum comentário:

Postar um comentário