quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Limpa com jornal...


Peru
 
Aqui em casa, o desafio é saber quanto tempo durará o peru. Costumamos recber gente para jantar na véspera do Natal, mas mesmo com a  ajuda de amigos e familiares, nunca conseguimos liquidar o peru de uma vez só. Sempre sobra peru para o dia seguintre, e o dia seguinte, e o dia seguinte... Às vezes, chega o Ano Novo e nós ainda estamos comendo o peru do Natal.
 
Nada nos restos do bicho lembra a majestosa ave que saiu do forno dias antes, cheia de si e de sarrabulho. Sua última aparição na mesa costuma ser na forma de tiras de carne branca ou escura misturadas com arroz, um melancólico risoto de despedida. Adeus, até que enfim, peru. Mas sempre há a possibilidade de que ele ainda volte à mesa como croquetes.
 
Uma vez fizemos uma contagem e descobrimos que havia mais judeus do que cristãos ou góis e ateus no nosso jantar de Natal. Mas nem o esforço concentrado de povos irmãos pode acabar com o peru numa única noite.
 
Já se cogitou comprar um peru menor, ou substituir o peru por outra coisa. Mas por que ir contra uma tradição familiar?
 
E, afinal, o Natal vem só uma vez por ano.
 
Graças a Deus.
 
BF: a tira é do Laerte e a crônica é do Veríssimo. Ambas publicadas hoje na Zero Hora. Geniais!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Rescaldo dos 7


Tal qual agora...
 
Em 1974, quando da Copa da Alemanha, eu tinha 13 anos de idade. O Brasil era o campeão do mundo (e tinha vencido a "Mini-Copa" em 72). Portanto, eu não sabia o que era a Seleção perder jogo valendo. Quando aconteceu a nossa fatídica derrota por 2x0 para a Holanda, fui parar na cama, com febrão e tudo. Sequer me interessei em ver a final, muito menos a decisão do terceiro lugar (em que voltamos a perder, então para a Polônia do Lato e do Gadocha).
 
Dizia a imprensa da época: "é hora de repensar o futebol brasileiro!". Impunha-se, segundo se lia e ouvia, acompanhar os novos métodos de trabalho, copiar os conceitos do "futebol total" apresentados pela Holanda (que, entretanto, não ganhou aquela Copa - nem qualquer outra até hoje!). O Brasil, por sua vez, voltou a ganhar em 1994, foi vice em 1998, e ganhou novamente em 2002, seguindo nossos padrões "caóticos".

Anteontem perdemos feio, muito feio, para a Alemanha. Naturalmente eu não tive febre por causa da derrota, mas, confesso, fui para cama bem cedo (e foi custoso conseguir dormir). Cá entre nós, ainda com um pouco da resistência do guri de 13 anos que fui, será meio contra a vontade que assistirei aos jogos restantes desta linda Copa.

Consciente de que nunca haverá outra derrota tão medonha como essa dos 7, constato que, como em 74, os profetas do "eu já sabia" voltaram, agora, à tona. E têm, cada um deles, a fórmula mágica para "os novos rumos" que  tornarão nosso futebol vitorioso novamente.

A propósito, a ESPN propôs uma enquete: "quem deve ser o novo técnico do selecionado?" As opções eram Mano Menezes, Tite, Muricy ou... um estrangeiro ("qualquer um!", disse o apresentador). A Zero Hora sugeriu o Tite ("o gaúcho!") e, dentre vários cabeças de bagre, aponta, desde já, Luan, Grohe, Mario Fernandes, Sandro, Giuliano, Pato como candidatos às vagas para a Copa da Rússia. O PVC, aquele chatíssimo rei da estatística inútil, quer a contratação do Guardiola para técnico da Seleção.

Todos, sem exceção, dizem que nosso "modelo" está ultrapassado, que os europeus estão anos luz à frente. Opa! Como explicar, então, a classificação da Argentina à final, tendo ela uma estrutura administrativa semelhante à nossa. E como explicar, também, o fracasso rotundo de países do "1º Mundo", como a favorita Espanha, a gloriosa Itália e a Inglaterra, do campeonato nacional mais importante do planeta?

Ah, quanta asneira foi dita antes dos 7. E quanta asneira mais prosseguirá a ser proferida solenemente daqui por diante...
Eu, por meu turno, simplifico as coisas. Ainda que não haja justificativa para os 7 sofridos frente à Alemanha, a verdade é que nosso time é fraco. Foi o que viu em todos os jogos anteriores. Mas, em favor do técnico deve ser lembrado também que, desta vez, não há como reclamar a ausência, entre os 23 convocados, de algum jogador que tenha "feito falta". A crise é, antes de tudo, técnica.

E em 74 nós tínhamos Jairzinho, Rivelino e Ademir da Guia!

*Achei nos rascunhos do BF esse texto que escrevi durante a Copa entre as derrotas para a Alemanha e a Holanda. Não o havia publicado porque achei que tratava do óbvio ululante. Mas na época eu não tinha como prever que Felipão/Murtoza viessem a ser substituídos por Dunga/Gimar Rinaldi (!) e, muito menos, que a imprensa esportiva tupiniquim comemorasse entusiaticamente, com base nos jogos amistosos pós-Copa, o "belo trabalho de renovação" implantado pelos novos comandantes. Bah!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A TURMA DE LECH WALESA (por Moisés Mendes, na ZH de ontem)

Lech Walesa virou uma figura repulsiva. Nos anos 80, o eletricista polonês mobilizou os operários do porto de Gdanski contra o comunismo e deu os primeiros empurrões para que o muro caísse sobre o Leste Europeu.
Foi paparicado, ganhou o Nobel da Paz em 1983 e se elegeu presidente da Polônia. Depois, encaramujou-se na insignificância e hoje é um feroz militante homofóbico.
Walesa odeia gays por se considerar um homem extremamente religioso, assim como alguns brasileiros odeiam pobres, negros, índios e prostitutas, principalmente se tiverem o amparo de cotas e do Bolsa Família.
Essa figura patética, há muito desmascarada como arremedo de líder mundial e desprezada no próprio país, é o contraponto do atraso ao crescimento da militância política dos gays na Polônia, inclusive com representação parlamentar. Walesa faz a ameaça clássica de que os gays são um perigo para a humanidade.
No documentário Entreatos, sobre a campanha à Presidência em 2002, Lula diz, em conversa dentro de um avião, que Walesa era “um pelegão”. Não seria um democrata, mas um anticomunista útil aos americanos e à conservadora Igreja polonesa.
Há um exagero no desprezo de Lula. O polonês construiu a imagem de libertário, no contexto da Guerra Fria, porque vivia num país amordaçado. Só depois fracassou como presidente e como referência política e investiu no reacionarismo. Se viesse ao Brasil, poderia dar curso de preconceito aos incomodados com os avanços sociais dos últimos anos.
A extrema direita brasileira repete o que suas similares fazem pelo mundo. Como ocorre agora na reação conservadora republicana à iniciativa de Obama de legalizar a situação dos imigrantes.
Incomodados têm afinidades universais. Os ataques ao Bolsa Família são parte do mesmo desconforto causado pelas cotas e pelo ProUni. Aterroriza muita gente a hipótese de que um dia a empregada negra possa entrar na casa e anunciar que um filho será médico.
A ascensão social é perturbadora e logo ficará pior para os incomodados. A primeira geração de filhos que terão estudado mais do que os pais pobres está se formando agora. Depois, virão os filhos e os netos deles. É a amplificação do incômodo causado no final do século 19 pela extinção do escravismo. 
Os perturbados nacionais aprenderiam muito com Walesa. Ele oferece lições práticas. Entende, por exemplo, que os gays eleitos para o parlamento do seu país devem sentar-se nas cadeiras dos fundos, para não se misturarem aos heterossexuais.
Há na Polônia um partido que sustenta tipos com o perfil de Walesa, o KNP. Um dos líderes é o racista Janusz Korwin-Mikke, membro do Parlamento Europeu.
Korwin-Mikke diz que as mulheres não deveriam votar. Que é preciso acabar com os hospitais públicos. Que Hitler nada sabia do Holocausto. Que jovens que cometem delitos têm de ser chicoteados. E que Walesa, claro, é seu ídolo.
Se tivéssemos partidos como o KNP e outros que existem na Europa, a extrema direita não precisaria pulverizar seus apoios no Brasil em siglas que talvez nem a representem. Ou o PRTB de Fidelix representa os que abominam gays? Ou Fidelix é apenas uma figura grotesca, sem refinamento para atender às demandas de camadas mais sofisticadas dos incomodados?
Um partido permitiria a organização do pensamento à direita da direita, daria consistência ideológica a um discurso ainda desorganizado e revelaria a face de seus simpatizantes _ como já faz a esquerda da esquerda. 
A extrema direita brasileira, que talvez não seja pequena como se pensa, tem muito a aprender com as colegas francesa, alemã, polonesa, americana. Se perder a timidez e abandonar os disfarces, poderá abrir caminho para líderes semelhantes a esse Nobel da Paz que odeia gays.
 
BF: Moisés Mendes é o cara que está pronto para assumir o espaço há um milênio e meio ocupado pelo patético Paulo Santanna na Zero Hora. Já vem escrevendo ali na penúltima página do jornal duas vezes por semana (mas o moribundo reacionário é duro na queda!). Sou fã do Moisés. Acho que, além de escrever bem, sempre é muito lúcido nos seus artigos, chegando a entrar claramente em choque com a "linha" do jornal. Espero que não se deixe corromper pelo meio errebeessiano.