domingo, 30 de dezembro de 2012

2013

FELIZ 2013

A TODOS OS SEGUIDORES E LEITORES (FIEIS OU EVENTUAIS) DESTE BIPOLAR FLEXÍVEL
Amor, saúde e tranquilidade no ano que se aproxima!

Disposición final (por Marcos Rolim*)


"Digamos que eram sete ou oito mil pessoas que deveriam morrer para que ganhássemos a guerra contra a subversão. Não podíamos fuzilá-las. Tampouco podíamos levá-las à justiça". Com estas palavras, o general Jorge Rafael Videla começou a responder as perguntas do jornalista Ceferino Reato, na cela 5 da prisão federal de Campo de Maio, em Buenos Aires, onde ficará até o fim de sua vida. A entrevista, obtida entre outubro de 2011 e março de 2012, foi publicada no livro Disposición Final: la confesion de Videla sobre los desaparecidos (Sudamericana, 316 pg) que reúne, também, outros testemunhos. Para uma ideia de como o trabalho foi recebido na Argentina, recomendo o programa da TV C5N com o autor e com Estela Carlotto (das Avós da Praça de Maio), disponível em http://migre.me/cyZJt

Trata-se de material imprescindível para se compreender a história do fascismo na América Latina e para se pensar sobre porque esta ideologia se tornou tão influente nas Forças Armadas e nas elites econômicas da região. Aos 86 anos e sem a possibilidade de anistia, Videla resolveu falar. Assinala que "não está arrependido e que dorme tranquilo". A entrevista, na verdade, foi uma tentativa de justificar a tortura e os assassinatos com base no argumento do "mal menor", o mesmo, aliás, empregado pelos fascistas brasileiros. Para o general ultracatólico, já condenado a duas penas de prisão perpétua, o golpe queria "disciplinar uma sociedade anarquizada e conduzi-la para uma economia liberal"; uma receita que também não é estranha aos brasileiros acostumados à propaganda anti-Estado financiada pelos ricos.

Entre outras revelações, Videla conta que os militares elaboraram _ com o auxílio de empresários e lideranças civis _ uma lista com milhares de nomes de "subversivos", ainda antes do golpe de 24 de março de 1976. Seus integrantes seriam sequestrados e conduzidos a "interrogatórios" clandestinos. Os chefes militares de cada uma das cinco zonas em que o país foi dividido tinham carta branca para identificar os "irrecuperáveis", decidindo sobre os métodos de desaparição dos corpos. Jogá-los em alto mar, enterrá-los em locais ermos ou queimá-los foram as opções mais comuns. Videla sustenta que a prisão não funcionaria, lembrando que os condenados por subversão no governo do general Lanusse foram libertados como heróis logo após a posse do peronista Héctor Cámpora, em maio de 1973. Sumir com os corpos era uma forma segura de matar sem ter que responder por isso, impedindo também que as pessoas soubessem o que estava acontecendo. Muito prático.

Disposición Final (DF) é, no linguajar da caserna, o código para peças que não têm mais serventia. Os que aplicaram este código a pessoas na Argentina estão, em número cada vez maior, sendo mandados para a cadeia. Os argentinos decidiram punir os carniceiros _ como se sabe. Falta apenas apontar os empresários e os membros da Igreja que, ao longo de todo o processo de torturas e execuções, participaram, financiaram e abençoaram o horror. Sem o apoio ativo destes grupos civis não haveria o genocídio.

*Artigo publicado na página 14 da Zero hora de hoje. Bem ao lado do texto intitulado "Fones de ouvido", do "arquiteto e pensador católico" Percival Puggina que, lá pelas tantas diz o seguinte:

"Um dos fascínios da vida, aqui de onde eu a vejo, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar, volta e meia deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. Milhões de brasileiros teriam sido ideologicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo.

Bem ao contrário. Nós, os jovens daquelas duas décadas, éramos politizados dos sapatos às abundantes melenas. Ou se era comunista ou se lutava contra o comunismo. Os muitos centros de representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A alienação sequer era tolerada na minha geração! Todo santo ano, o DCE da UFRGS comemorava como data nacional o aniversário da Revolução de Outubro (revolução bolchevique de 1917). Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e por nada. Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia _ a greve de apoio, a greve a favor. É, sim senhor. Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de trabalhadores. Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as disputas pelo comando da representação estudantil. O Colégio Júlio de Castilhos foi uma usina onde se forjaram importantes lideranças do Estado. As assembleias estudantis e os concursos de declamação e de retórica preparavam a rapaziada para as artes e manhas do debate político. Na universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. O que hoje seria impensável _ uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal _, era o que acontecia a cada edição semanal de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que passava de mão em mão até ficar imprestável."

Uau! Fiquei imaginando o quanto o "arquiteto e pensador católico" aproveitou a "minha geração". O quanto protestou, fez greve, debateu e... leu o Pasquim avidamente. Acho que o problema dele, em ter dado no que deu, foi o excesso de sexo, drogas e rock&roll, baby... 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Tiros em Columbine (de novo e até a próxima...)

Hoje eu e a Nanda fomos almoçar no restaurante que frequentamos desde que casamos, portanto há 19 anos. Lá, somos "de casa", amigos dos donos e das funcionárias. Ocorre que, por esses azares da vida, fiquei sentado exatamente de costas para um cara que almoçava na mesa mais próxima. Não sei quem é (nem quero saber!). Só sei que, para os que o acompanhavam (e, pelo tom de voz dele, para todos os demais presentes no restaurante), defendeu a necessidade de se ter armas, repetindo o chavão: "desarmaram o cidadão de bem e deixaram o vagabundo armado!".

Fiquei com azia. 

Segundo a Agência Reuters noticiou nesta semana, em todo território dos Estados Unidos "feiras de armas" ficaram lotadas de gente interessada em comprar "armas de assalto". Temem que, em decorrência do mais recente massacre de crianças em uma escola  de Connecticut, sejam adotadas, por parte do governo, medidas que restrinjam ou até proíbam a comercialização desse tipo de armamento. Consta que longas filas se formaram por cidadãos decididos a levar para casa, mesmo que por valores elevadíssimos, rifles de repetição. Os estoques se esgotaram rapidamente.

Uma dessas armas, uma AR-15, foi utilizada por Adam Lanza para chacinar a própria mãe, professores e alunos da escola de Connecticut. A mãe do nerd psicopata era a proprietária dessa (e das pistolas) usadas pelo filho no dia 14 de dezembro. Tratava-se de armamento comprado pela Sra. Lanza da mesma forma que aquelas adquiridas por seus conterrâneos nesses dias pós-massacre (todas pessoas de bem, na definição do meu indigesto vizinho de almoço).

A National Rifle Association (fabuloso lobby da indústria armamentista yankee a favor "dos direitos de possuir armas") sugeriu - diante dos recentes acontecimentos por aquelas bandas -  que guardas armados sejam colocados em cada escola. Ideia bestial! 

Queima suco gástrico!



Conforme esclarece a Reuters, "arma de assalto" é a designação genérica de qualquer arma semiautomática ou automática capaz de efetuar múltiplos tiros rapidamente. Entre 1994 e 2004 algumas dessas armas de assalto e respectivos pentes de munição com mais de 10 balas eram considerados ilegais. Porém, sintomaticamente, tal proibição expirou na época em que George W. Bush estava na Casa Branca.

ET: na página em que achei a foto das "belezinhas aí de cima" (e que faço questão de aqui não indicar) li: "No mundo, existem países que são democráticos de verdade e onde o cidadão pode comprar o melhor instrumento para se defender e não são impostas limitações ingênuas e sem sentido, como a que limita os calibres em 38 ou 380. Nos Estados Unidos, por exemplo, o calibre 380, que no Brasil é a sensação das lojas de armas, é considerado o menor calibre que alguma pessoa pode usar com alguma eficiência, devido ao seu fraquíssimo poder de parada".
Está certo: foi assim que eles, da "maior democracia" começaram se "defendendo" dos índios...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Os Maias (Essa não é de Queirós)

Sexta-feira, 11 e 35.
Dor nas costas.
Só eu e este teclado.
Minha cachorra ronca no sofá.
Restam-me os Sucrilhos 
(aqueles reservados para a subsistência
pós-fim dos tempos).
E talvez um Diazepan...

.

Voadores


Em 1980, durante a 8ª edição do Festival de Cinema de Gramado (Ditadura a mil) foi exibido o filme Os Sete Gatinhos, dirigido por Neville D'Almeida (com roteiro dele mesmo e de Gilberto Loureiro). Uma adaptação para o cinema da homônima peça teatral de Nelson Rodrigues. Durante a projeção muita gente da plateia se retirou, bradando xingamentos à "pornografia" da obra.
O então Secretário de Esporte, Cultura e Turismo da Estado, Lauro Guimarães, foi um desses, chocado com a lascividade, a imoralidade que assistia ali, no "Palácio dos Festivais". Cobrou, em furiosa entrevista à imprensa, medidas que coibissem aquele tipo de permissividade, aquela afronta à família, aos bons costumes.
Resultado disso foi o sucesso comercial do filme, que conta com um baita elenco: Lima Duarte, Ana Maria Magalhães, Cristina Aché, Regina Casé, Cláudio Corrêa e Castro, Sadi Cabral, Maurício do Valle, Luiz Fernando Guimarães, Sura Berditchevsky, Ary Fontoura, Sônia Dias e Thelma Reston (que ganhou o Kikito de Melhor Atriz Coadjuvante naquele festival).
Thelma morreu ontem, mas por mim sempre será lembrada por essa genial sequência rodriguiana de Os Sete Gatinhos.

E o mundo não se acabou (pelo menos até agora)




Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disto a minha gente lá em casa começou a rezar
Até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disto nesta noite lá no morro não se fez batucada

Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando de aproveitar

Beijei a boca de quem não devia
Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou

Peguei um gajo com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele mais de quinhentão
Agora soube que o gajo anda
Dizendo coisa que não se passou
Ih, vai ter barulho e vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou

Nestes momentos derradeiros que antecedem o final dos tempos, lembrei-me de um velho samba que há muito já tratava do The End. Conhecia-o desde a (tantas vezes referida aqui) era da eletrola Hot Point lá da minha infância/mocidade. O LP não tenho mais, mas, procurando nos meus CDs, achei uma coletânea (ótima, por sinal) do compositor baiano Assis Valente. E o mundo não se acabou foi gravado originalmente em 1938 e fez sucesso especialmente na voz de Carmem Miranda.
Descobri, agorinha, que Assis Valente tinha motivos de sobra para, de fato, desejar que o mundo se acabasse de uma hora para outra: é que, por causa de impagáveis dívidas contraídas, suicidou-se em 1958 (envenenando-se com formicida). Antes, em outras duas oportunidades, nos anos 30 e 40, já havia tentado se matar: na primeira, cortou os pulsos; na segunda, jogou-se do Corcovado.
No paletó do morto a polícia encontrou um bilhete dirigido a Ary Barroso, no qual pedia ao amigo que saldasse dois meses de aluguéis que deixara atrasar junto ao senhorio.
É óbvio que, ao tomar sua "decisão extrema", Assis Valente nem cogitava da existência do tal "Calendário Tim Maia".   

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Escolhas

O deputado Federal Ricardo Tripoli (PSDB/SP) apresentou um projeto de lei que pretende proibir a prática de maus-tratos a animais durante rodeios em todo o território nacional. Por aqui, o presidente da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha já está se movimentando no sentido de fazer com que nossos deputados votem contrariamente à proposta (que, segundo ele, atingiria nossa "cultura").
                                     
A gente ainda morava na Butuí quando, um dia, a Sylvia apareceu com um namorado. Como irmão mais velho, naturalmente não simpatizei com o cara. Um fanfarrão, de família "tradicional" de Jaguarão, que se apresentou com umas fitas VHS debaixo do braço. Sem cerimônia, o gajo já foi colocando uma das fitas no meu velho Philco-Hitachi, fazendo surgir na tevê suas proezas em provas de tiro-de-laço. Lembro-me bem do meu único comentário, já saindo de lado: "Estou torcendo para a vaquilhona!".

Felizmente, o tal namoro não durou mais que uma  semana. Pelo que sei, o chato anda por aí, cantando em castelhano, fantasiado de gauchinho. Deve, de vez em quando, dar uns tombos nuns coitados de uns boizinhos para não perder a prática.

A Sylvia? Casou com o Neneco, que nunca laçou novilho e que se for chamado agora, calça botas e vai salvar uns pinguins lá na Patagônia, uns lobos marinhos na Ilha da Páscoa...

Ponto para a humanidade!


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Chapação

Há uma semana estou fora do ar. Fora do ar mesmo, à base de remédio forte, um tal Diazepan, que me faz dormir umas 20 horas por dia. Descadeirado, suportando insuportável dor na coluna... incapacitado, em suma, para toda e qualquer tarefa, a mais simples que seja. Terça passada, me arrastando, precisei recorrer à Unimed em busca de socorro médico. Resultado: dia inteiro de remédio na veia (incluindo impensáveis três doses de morfina).
Desde então, pilhas de audiências transferidas e, idem, as partidas das finais do futebol de mesa.
Determinação do neurologista: repouso absoluto. Deitado e grogue como boxeador que levou um direto no queixo, mal e porcamente acompanhei a vitória do Corinthians sobre os "ingleses" do Chelsea. Estupefato, vi o goleiro Cássio (refugo do Grêmio) ser escolhido o melhor do torneio!
À meia boca, assisti na tevê a notícia de mais um (anunciado) massacre de lourinhas crianças em escola de uma cidadezinha norteamericana. Observei na telinha, visão turva, a incontida tristeza de Obama, Bonner e Patrícia Poeta (ótimos atores!). A mãe do nerd atirador/suicida (morta por ele) tinha em casa um fuzil Bushmaster .223 e pistolas Glock e Sig Sauer. Todas elas legalizadas. Deviam ser para caçar esquilos.
Mais um Diazepan, please... Às 19 tem tomografia!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Carta do Andrey

Estou em Santigo, Chile. Aqui, em um ônibus voltando para o hotel, um colega mexicano me mostrou em um celular a notícia divulgada via internet. Logo, outro colega, desta vez cubano, me abraçou e disse algo como “Lo vamos a extrañar”. Pela CNN Internacional confirmei o que não queria. A capa do El Mercurio de hoje é a seguinte: “Muere Oscar Niemeyer, el hombre que diseñó Brasilia e hizo de la curva un arte”. Agora vou para o aeroporto. Certamente outras manchetes irão me soquear... Somente à meia-noite chegarei a Brasília. Niemeyer terá passado por lá. Não nos encontraremos. A última vez foi maravilhosa. Ele me perguntou sobre o que os estudantes de arquitetura estavam lendo e se  eu gostava de sua arquitetura... Volto para o Brasil com e certeza de que ele continuará sempre vivo.
Andrey

domingo, 9 de dezembro de 2012

Puro Tom Waits

Fotografia do Alexandre Schlee Gomes

A casa do Oscar (por Chico Buarque de Hollanda)


       A casa do Oscar era o sonho da família. Havia um terreno para os lados da Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar. Mais tarde, num aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi. Desse modo a casa do Oscar, antes de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco de Manuel Bandeira. Senti-me traído, tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e saí batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a casa do Oscar! Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguases, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquele casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa do Oscar.

       Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é casa do Oscar.

Flor, na Catedral do Oscar, na cidade criada pelo Oscar