sexta-feira, 1 de abril de 2011

Na carona do dia de ontem



santinho do Leonel
                Naquela histórica primeira eleição para Presidente da República, depois da ditadura e do governo Sarney, nos dividimos. A mãe e eu éramos Brizola. Os outros, Lula. No dia da votação, na frente de casa - ali na Barão de Butuí -, democraticamente, cada uma das candidaturas teve seu espaço. Cartazão com a cara do "caudilho" de um lado, o "sapo barbudo" e a bandeira vermelha com a estrela amarela de outro. Lamentavelmente, perdemos. Ganhou o Collor, lembram? E quem haveria de esquecer...
                Oito anos depois, Lula e Brizola compuseram a chapa que, por razões óbvias, foi apoiada unanimente por todos nós. Não deu, de novo. FHC bisou sua vitória de quatro anos antes. Acho que o Brizola não tinha jeito para vice, muito menos do Lula. Não era um Zé Alencar. Brizola jamais receberia troféu de "melhor ator coadjuvante". Sempre foi protagonista (como o próprio Lula).
                A propósito, achei nos meus "arquivos" este texto do José Carlos Laitano (que foi originalmente publicado nO Informativo do Vale, de Lajeado (!!!). Tem o título Maravilhoso mundo novo: Brizola". Apesar de não ser formalmente muito bom, acho que vale a pena ser lido (e guardado):
Querido neto: estamos no final dos anos cinquenta, só não me pergunte as datas específicas. O Leonel Brizola é um homem nos seus trinta e tantos ou quarenta anos. Devia ser governador. Na rua do Rosário, hoje Vigário José Inácio, tinha uma casa com auditório e ali, uma vez por semana, ele discursava para a pequena platéia. Elegia um tema e falava durante bom tempo. Lembro ter ido ao menos uma vez. Ele era um ideólogo meio popularesco, meio tipo Lula, não embasava suas ideias em grandes doutrinadores, simplesmente emitia conceitos próprios, com fala bem popular. O povão adorava. O país quase sempre viveu sob ditaduras e estávamos num período de democracia, Getúlio matou-se poucos anos antes, em 54, sem nada consultar, creio que o presidente era o Juscelino Kubitschek, construindo Brasília, ou já era o Jânio. Tinha o Lacerda, o corvo carioca, como era descrito e pintado pela esquerda. Lacerda também era grande orador e infernizava a vida de todo o mundo. Tinha os militares que se metiam na política, sempre querendo mandar no país. Logo adiante, Jânio Quadros presidente, aconteceu a Primeira Legalidade, em 1960. Isso interessa menos. Importa que Jânio fez sua campanha segurando uma vassoura prometendo varrer a corrupção. Eu comprei um pregador de lapela, a vassourinha. O povo acreditou no homem. A turma da direita nunca deu trégua. Jânio fez aquela trapalhada de renunciar falando em forças ocultas. Assumiu o vice, que era Jango, o João Goulart, um sujeito que nunca inspirou-me confiança, parecia-me mais um filho de papai, filho rico, fazendeiro, filhote político de Getúlio e cunhado de Brizola. Os militares tentaram o golpe. Hoje sabemos que essa tentativa foi pensada e coordenada pelos Estados Unidos, a época era de intenso anticomunismo, a Rússia assustando o capitalismo e Cuba apresentava Fidel Castro ao mundo. Tentaram derrubar Jango. Brizola rebelou-se, formou a famosa Cadeia da Legalidade, tomando conta das rádios gaúchas, discursando diariamente, músicas altaneiras o tempo todo, o pessoal do Teatro de Equipe criou a Marcha da Legalidade que tocava o dia todo, o povo cantava a música, o palácio virou fortaleza. No centro, perto do cinema Vitória, na Borges esquina Andrade Neves, havia uma construção no formato do mata-borrão. Mata-borrão era algo parecido com carimbo, uma peça de madeira, com cabo em cima e a parte debaixo encurvada e coberta com papel que chupava tinta. Usava-se caneta-tinteiro, escrevia-se, a tinta permanecia molhada um tempo, se passasse o dedo borrava tudo. Daí o mata-borrão, colocado sobre o escrito, secava. O prédio tinha esse formato e era conhecido como mata-borrão. Existiu até pouco tempo atrás. No mata-borrão ficou o QG popular. Na verdade o povão nada tinha o que fazer ali, mas ficavam conversando, sabendo das notícias, distribuindo bandeirinhas, fazendo abaixo-assinados, essas coisas. Eu fui cooptado por um advogado, ele ofereceu seu escritório ao lado do Mata-borrão, eu levei uma turma de estudantes secundaristas, tipo 15 a 17 anos, e ficamos duas semanas esperando entrar em ação. Qual ação? nem me pergunte. Mas éramos anticomunistas. Íamos ao Mata-borrão para saber o que faziam e contávamos ao advogado cujo nome esqueci. Fomos espiões, na verdade, mas disso não tínhamos consciência, mas foi genial pensar que estávamos participando da história de algum modo. Ao mesmo tempo que atuávamos no anticomunismo, para falar a verdade nem sei se era isso mesmo, eu admirava o Brizola, torcia por ele, queria vencer os golpistas. O clima nas ruas era de festa, todo o mundo se cumprimentava, não tínhamos inimigos no Estado, os inimigos estavam lá no centro do país. O Terceiro Exército estava com Brizola. A Brigada Militar estava com Brizola. A polícia estava com Brizola. Artistas, intelectuais e todo mundo estava com Brizola. Ele era o cara. Avante brasileiros, de pé, unidos pela liberdade, marchamos todo o mundo com a bandeira, em prol da legalidade. Era a música que todos cantavam. Durou alguma coisa como duas semanas, foi o tempo em que ficamos confinados naquele escritório de advocacia. Finalmente os golpistas desistiram, Jango aceitou o parlamentarismo, um tipo de governo feito para alguns países europeus, que não serve para o brasileiro que avacalha com tudo. Brizola tornou-se herói nacional. O típico machão gaúcho. Quatro anos mais tarde aconteceria a Segunda Legalidade e eu estaria do outro lado, na Esquerda. Essa é outra história. Setembro de 2009

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