quinta-feira, 31 de março de 2011

31 de março

                Há exatos 47 anos foi dado o golpe que manteve este país sob ditadura militar por mais de duas décadas (em março de 1985 assumiu a presidência José Sarney, eleito "indiretamente" como vice de Tancredo Neves, que morreu antes da posse).
                Eu nasci em outubro de 1960.
               Assim, tinha pouco mais de três anos de idade quando os militares tomaram o poder e eles só saíram do Palácio do Planalto quando, já formado em Direito, eu iniciava minha vida profissional.
                Vivi, então, toda a infância e juventude durante os famigerados "anos de chumbo". Antes de entender o que acontecia, já convivia, em casa, com a tensão que um regime autoritário impõe. Afinal, não estar de acordo com aquilo significava não ser patriota, ser subversivo, ser comunista, ser bandido.
                Na medida que meu pai nunca se dobrou à ditadura (e por nunca ter feito segredo disso), acabou repondendo a IPMs (inquéritos policiais militares), foi preso e taxado de subversivo e de comunista (o que, então, era o crime maior). A toda hora amigos e "amigos" mandavam recados: que o pai ficasse alerta, que iria ser preso a qualquer momento. Como se sabe (mas, na época, era oficialmente negado), quem era preso geralmente não escapava da tortura e, em muitos casos, nunca mais voltava (até hoje parentes procuram os restos de maridos, de filhos, de irmãos, "desaparecidos"). Esquemas mirabolantes foram armados para que o pai pudesse escapar para o Uruguai (que ainda não estava sob governo dos milicos de lá). Sempre havia a desconfiança de que alguém o vigiava, num certo "Austin cinza". Nessas circunstâncias, a opção mesmo era o auto-exílio. Quase embarcamos para o Canadá, para a Colômbia e, por fim, para a Holanda. Não fomos. Sempre na última hora alguma coisa misteriosa impedia que deixássemos o Brasil. Por conta de sua valente posição pessoal contrária ao regime, o pai, logo depois do golpe, acabou expulso da Universidade Católica e, mais tarde, penou por mais de dez anos para poder defender sua tese de livre-docência ("Direito de Autodeterminação dos Povos"!!!), na Universidade Federal.
              Minha mãe, apesar de toda  essa absurda pressão psicológica, aguentou, com o pai, a barra. E "criaram" a mim e a meus dois irmãos.
                No ano passado (acho que foi no "Dia dos Pais"), depois de almoçarmos juntos em um restaurante, ficamos os três conversando. Eles, o pai e a mãe, me falaram a respeito de tudo o que conosco se passou nesse terrível período. Fatos que eu conhecia, até então,  de uma forma fragmentada. Fizeram praticamente um relatório, um completando com impressionante riqueza de detalhes, incluindo nomes e datas, o que o outro contava.
                Orgulho-me muitíssimo deles! Que não se tenha, jamais, que passar pelo que passaram.

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