Emir Sader |
Com as eleições em Portugal e no Peru se confirma a tendência de toda a última década, em que a Europa vota à direita, enquanto a América Latina vota à esquerda. Isso se dá, antes de tudo, porque a Europa - aliada subordinada dos EUA - é ganhadora na globalização, são os globalizadores, enquanto a América Latina, a Ásia, e a África somos perdedores, os globalizados. Assim, os europeus não querem que nada mude, se tornaram conservadores, enquanto na América Latina lutamos por transformações, por mudanças. Eles votam à direita, nós, à esquerda.
Para os europeus, todos os problemas que eles sofrem chegariam de fora: imigração, terrorismo. Tentam se fechar como fortalezas. Como se não tivessem nada a ver com esses dois temas. Mas a chegada da crise econômica, surgida nos EUA - que nos afetou também, mas da qual já saímos, enquanto eles seguem plenamente nela -, não cabe dentro dessa análise. Não tem como remeter a uma causa externa. Ela é bem interna: é uma crise capitalista, nascida no centro do sistema, na economia norte-americana.
Uma das maiores derrotas recentes da esquerda foi a de que a crise fortaleceu a governantes de direita e enfraqueceu os sociais-democratas: caiu o governo português, deve cair o espanhol, sobrevive extremamente debilitado o da Grécia. Porque nesses países estavam no governo e praticaram a política do FMI, intensificaram a recessão e o ajuste fiscal, preparando o campo para a chegada da direita aos governos.
Enquanto na América Latina, nos países que optamos pela prioridade da integração regional e pela extensão do mercado interno de consumo popular, foi possível sair mais rápido da crise e retomar ritmos de expansão econômica e de inclusão social que tínhamos antes da crise. Governantes como Lula, os Kirchner, Hugo Chavez, Tabaré, Evo Morales, Rafael Correa, se elegeram, se reelegeram e, nos casos do Brasil e do Uruguai, elegeram seus sucessores - Pepe Mujica e Dilma. Nessa onda se elegeram Fernando Lugo, Mauricio Funes, agora Ollanta Humala. Na Europa, se elegeram Berlusconi, Merkel, Sarkozy, Cameron, agora a direita também em Portugal. Se fortalece a extrema direita na França, na Suécia, na Finlândia, entre outros países.
Aumenta a distância entre a esquerda da Europa e a da América Latina. Até mesmo no caso dos bombardeios da OTAN contra a Líbia, a maioria da esquerda lá está a favor, enquanto que, por aqui, sem apoiar o regime de Kadafi, estamos a favor de negociações políticas de paz. A soberania econômica nos permite exercer a soberania política.
A análise acima reproduzida, entitulada "Europa à direita, América Latina à esquerda", encontra-se publicada na edição nº 172/2011 da revista "Caros Amigos". Seu autor, Emir Sader, conhecido sociólogo e cientista político, no início deste ano protagonizou episódio que causou "saia justa" ao governo, ao afirmar que as coisas não estavam andando bem no Ministério da Cultura pelo fato da ministra, Anna de Hollanda, ser "meio autista". Carrega no seu currículo a glória de uma condenação judicial (em 2006) por ofensa à honra do político-manezinho Jorge Bornhausen, a quem taxou de "fascista". Este texto (em que pese não ser formalmente um primor) serve como uma luva para o entendimento do gravíssimo fato acontecido no dia 22 de julho passado na "pacata" Noruega, quando Anders Behring Breivik - jovem militante de grupo de extrema-direita local - assassinou dezenas de pessoas e lançou um manifesto bestialógico de cunho racista e xenófobo. Praticamente no mesmo sentido dos argumentos e conclusões de Sader, pôde-se ler na Zero Hora de sexta-feira última uma breve entrevista dada por Paulo Visentini, professor de Relações Internacionais da UFRGS. Ei-la:
Breivik - com pretensões de ser a "nova besta" |
PV: A extrema-direita está atuando em dois níveis. Um de grupos armados, na clandestinidade, vestindo uniformes. São gangues que batem, racistas, arruaceiros. O outro é de partidos legais. Esses partidos têm crescido muito eleitoralmente, à medida que a crise na Europa se torna mais complexa e os governos não têm respostas imediatas. O que choca é que esses políticoss estão dizendo o que muita gente acha: não queremos mais imigrantes, não queremos mais gente de cor. Cada vez que viajo, vejo a Europa mais xenófoba. É uma realidade que está emergindo e é preocupante.
ZH: Por que a extrema-direita tem conquistado seguidores?
PV: Por causa de um sentimento de insegurança da população em relação ao desemprego, ao desenvolvimento e até à própria segurança, em relação a ataques terroristas. No final da II Guerra Mundial, o nazismo foi derrotado, mas não destruído. Os grupos de extrema-direita sobreviveram, na clandestinidade. E são grupos poderosos, ativos. Agora que a estabilidade europeia está ameaçada, eles ganham visibilidade, assim como aconteceu nos anos 30.
ZH: Qual é a consequência desse extremismo?
PV: O que estava acontecendo até agora é que os partidos para não perder o eleitorado, foram caminhando para a direita. Eles começaram a adotar legislações anti-imigração, expulsar pessoas da Europa, recusar refugiados... A votação da extrema-direita empurrou outros partidos também para este lado. O que está acontecendo é algo novo, que pode servir de exemplo para outros países. Não é impensável que possa acontecer (ataques como o da Noruega) em outros lugares. Eles (os extremistas) se entusiasmam, ficam mais atrevidos, mais corajosos. Essa ação (de sexta-feira) permitiu uma enorme mídia.
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