segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

À nossa direita... (por Luiz Carlos Vaz*)


       Os domingos à noite em Bagé nunca mais foram os mesmos depois que a televisão passou a transmitir as lutas do Ringuedoze Liquigás, da TV Gaúcha, Canal 12 de Porto Alegre. Várias lutas que, necessariamente acabavam no terceiro “assalto”, movimentavam as famílias e dividiam os espectadores nas preferências e nas torcidas. Havia os bons moços, como Scaramouche, Marco Polo, Ted Boy Marino, Leão do Líbano; os feios, sujos e malvados como El Duende, Barba Roxa, Stiner e os misteriosos estilo Fantomas, Verdugo, Leopardo, que eram os que usavam máscaras. Marcos Martins, do Portal da Luta Livre, diz que Fantomas foi uma personagem criada pelo empresário da TV Globo do Rio, Teti Alfonso, em 1966. Por ser mascarado podia ser “interpretado” por vários lutadores. Martins, no mesmo relato, afirma que o primeiro Fantomas foi encarnado pelos argentinos Ali Bunani e depois por El Toro. O brasileiro Luizão, entre outros, também teve seus dias de Fantomas. 
       A verdade é que, na segunda feira de manhã, não se falava em outra coisa no recreio do Colégio Estadual de Bagé. O apresentador oficial era o conhecidíssimo radialista Éldio Macedo que era anunciado por uma voz off como o “marronzinho mais elegante de Porto Alegre”. Ele subia ao ringue e anunciava:
_ “À nossa direita, lutador com 98 quilos, a fera argentina... Elllll Dueeende; à nossa esquerda, lutador com 105 quilos, o misterioso Veeeerdugo; e, para comandar esta fantástica luta, o mediador Ciiiiiiiiigano”. 
       E lá vinham as sequências de draps, tesouras, torções, voadoras.... Os “malvados” seguidamente proporcionavam cenas circenses como esfregar uma metade de limão nos olhos do adversário, açoitar o oponente com um chicote trazido às escondidas dentro do calção... o mediador, para desespero da plateia, nada via, e tudo era uma festa e a luta sempre acabava no terceiro assalto. 
       Um belo dia o Ringuedoze Liquigás que, já perdendo o gás, mudara de nome e agora era patrocinado pelo Marinha Magazine, apresentou-se em Bagé, numa improvisada estrutura montada no campo do Guarany Futebol Clube. Quem foi o primeiro a entrar? Eu, é claro. 
       Foi uma decepção! Ao vivo tudo ficava mais claro. Era uma “baita marmelada”. Nós, a gurizada de Bagé, não tínhamos como entender que era apenas um teatro, o desempenho de uma profissão, que aqueles lutadores eram, na verdade, lutadores de espetáculo. Ali, no ringue improvisado no campo do Guarany, e olhando bem de perto, percebíamos que os socos não eram assim tão fortes, que as voadoras eram ensaiadas e que vencer no terceiro assalto era uma questão de sequência de atos da programação, um imperativo do seguimento publicitário. Eles eram apenas artistas, trabalhadores como nossos pais. Precisavam apenas garantir o anabolizante das crianças. Brigavam, se desentendiam, eram inimigos de morte, queriam bater, ver o sangue do adversário, esganar, matar... mas somente ali, no ringue. Fora dele, eram colegas de profissão, de viagem, de trabalho. Se existisse na época essa tal pizza de hoje, ela seria o prato ideal para saborear juntos, depois das lutas. 
       Nunca mais assisti ao Ringuedoze Liquigás - ou Marinha Magazine - com o mesmo interesse. Eu não queria ver ninguém quebrado, é claro, mas bem que o meu ídolo – o Leopardo - poderia ter dado uma boa sova no El Duende, naquela noite lá no campo do Guarany, nem que fosse só para justificar a fotografia que o Marinha Magazine enviou para mim – o seu fã número um.

* O Vaz, fraterno amigo e fiel escudeiro de meu pai, me mandou este texto que foi por ele publicado em 20 de março de 2010 no velhaguardacarloskluwe.blogspot.com, blog irmão mais velho deste BF. Apesar de já nos ter brindado com a foto da "jangada nipo-canguçuense", ficou, agora, devendo-nos o raríssimo "retrato" do Leopardo (que vai aqui substituído pela "imagem de divulgação" da TV Gaúcha, obtida em um Caderno de Cultura da ZH). 

5 comentários:

  1. O Vaz "contratou" mais um patrocinador para o Ringuedoze que, devia ter vários, conheci como Anzanello.
    A grife que vestia o "marronzinho mais elegante da cidade", não conhecia este texto com a marca de qualidade do Vaz.

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  2. Veja como os costumes mudam com os tempos, caro editor. Hoje, com essa roupa de "oncinha", o meu ídolo seria vítima de bullying no centro do ringue, certamente...

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  3. Eu também era guri, e tão fascinado quanto. Eu nunca vi ao vivo, acho que no 12, o Ringuedoze Anzanello, era tv ao vivo (vê se pode?). A propósito, dia desses o Luís Fernando Veríssimo escreveu "Saudade do Ted Boy Marino" (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,saudade-do-ted-boy-marino-,827452,0.htm).

    Realmente eram bons tempos, de infância, ainda românticos, em que o teatro predominava sobre o sangue, exceto quando dava "tilt", ou ketchup? Lembro do Maciste, das "australianas", das máscaras e a expectativa se tiradas seriam, ou não. De um dia em que o "marronzinho", ao apontar "à nossa direita, ou esquerda", teve seu dedo "mordido" por um mau, Enfim, o "telecatch" no RS, poderia ser mais bem explorado. Deve ter muito folclore... [ ]'s Hugo (natural de Cacimbinhas / P.Machado)

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  4. Muito bom o texto, principalmente pela sinceridade. Só uma ressalva. Desde 2009 Marcos Martins (eu) mantém seu próprio blog especializado em Luta Livre Nacional, juntamente com seu irmão Rodrigo Furia e com seu pai Cigano Stiner, lutador do Ringuedoze.
    Abraços

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  5. O Leopardo é meu pai, ele tinha outras fantasias, como Homem-aranha, Gato negro e Zezé, eu só do Rio de Janeiro tenho a roupa do meu pai e fotos na época tinha 7 anos e lutava tanbem (telecatch montilla)

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