domingo, 20 de maio de 2012

Quando os soldadinhos eram de chumbo (por Ricardo Chaves*)

  Sou da "classe de 51", como me classificaram os militares encarregados do meu alistamento militar. Acabei dispensado, por excesso de contingente. Mas o que eu queria dizer é que a minha geração, quando criança, talvez tenha sido a última a brincar com soldadinhos de chumbo.
  A alegria de ganhar a caixinha, abri-la e ver as pesadas figurinhas coloridas encaixadas na cartolina.
  Deitar no chão e colocar os soldadinhos em formação. Imaginar batalhas.
   Na metade da década de 1960, o chumbo, por tóxico, foi banido da fabricação de brinquedos. Poderia provocar saturnismo, anemia, hepatite, disfunção renal, encefalopatia (até redução de QI, o que, no meu caso, explica muita coisa). Também se iniciavam as preocupações antimilitaristas da politicamente correta campanha "não dê armas ao seu filho". Então, o plástico chegou para ficar.
   Alguém talvez lembre do conto O Soldadinho de Chumbo, de Hans Christian Andersen (1805-1875). A história acaba em tragédia, com o soldado perneta derretido numa lareira, junto à bailarina. Na época, fazia sentido.

*Texto extraído do "Almanaque Gaúcho", da Zero Hora de sexta-feira (18/5).


   De fato, na década de 60, a primeira da minha vida, os brinquedos feitos de chumbo já estavam em baixa. A "matéria plástica" entrava com tudo, inclusive na área dos artefatos direcionados às crianças. Especificamente, os soldadinhos pesados - a maioria daquela cor prateada (que a oxidação fazia com que, com o tempo, fosse escurecendo, preteando) - passaram a ser substituídos no gosto da gurizada, gradativamente, pelos caubóis e índios de plástico, coloridos com tintas vibrantes. O Forte Apache, com a 7ª Cavalaria completa, era item que acendia o desejo de todos.
    Assim, os soldados da Guerra do Paraguai e outras figuras de chumbo que ainda eram vendidos na Casa Lago (Sete de setembro com Osório) passaram a ser desprezados, até desaparecerem (antes mesmo do encerramento das atividades da saudosa casa comercial).
  Hoje, os soldadinhos de chumbo são relíquias, objeto de colecionadores em todas as partes o mundo. Criança nem sabe o que é isso.
    Os meus não são contemporâneos de infância. Já os comprei bem grandinho, saudosista e com a culpa de não ter dado valor aos de chumbo que troquei pelo Bat Masterson, pelo General Custer ou pelo Touro Sentado feitos de plástico.
   Porém, em uma velha caixa transparente, de cotonetes, guardo o que sobrou de um plantel originalmente composto por duas dúzias de cavalos de corrida de diversos pelos, com seus jóqueis envergando coloridas jaquetas. Apenas dois deles encontram-se completos, com as quatro patas, rabo e cabeça do jóquei intactos. Os demais, coitados, não contam com pelo menos um desses "itens". Vieram em três levas, em distintas viagens que o pai fez ao Rio de Janeiro (que era muuuito longe, nos anos 60, 70): os dez primeiros; outros dez, numa segunda ida e, por fim, os dois últimos, mais bem acabados. À volta da mesa da sala, em uma pista ali montada, protagonizaram emocionantes páreos. Importante: cada cavalo tinha seu nome e, conforme os resultados obtidos, passavam de uma turma para outra, compondo os diversos páreos dos programas montados pelo pai. Ah, era um dadinho que definia, de 1 a 6, quantos corpos o cavalinho avançava, a cada vez, na corrida.
    Nos Anos de Chumbo, grandes tardes de turfe... de chumbo!

O "crack" Verdugo, sobrevivente (completinho),
faz um "canter" especialmente para o Bipolar Flexível
Neste nostálgico páreo, puxando o pelotão vem Espanhol,
seguido de perto pelos tordilhos Botafogo e (por fora) Arroio Malo...
 

3 comentários:

  1. Eu também sou "classe de 51", sequer passei pelos soldadinhos de chumbo, no caso o destino foi generoso com minhas aversões.
    Nos desfiles do 7 de setembro contrariado caminhava, quem marcha é soldado, eu era civil.

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  2. Achei um livro de "Moral e Cívica" outro dia, enfeitando a estante de uma loja de roupas. Vou convencer o dono da loja a me vender o "compêndio" e te mandar de presente. Junto com outro, de EPB, do Prof. Szechir. Acho que estás precisando entrar nos eixos... que nem o "arquiteto e pensador católico" Percival Puggina.

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  3. Só tu mesmo! quase morri de rir, "Moral e cívica" e EPB I e II é dose ! quando devia estar jogando bola, tinha de perder tempo com esse fascismo repugnante.
    Quem foi teu professor de EPB? o meu não lembro( memória seletiva), foi este tal de Szechir?
    Manda toda coleção, para eu dar destino útil e higiênico.

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