segunda-feira, 21 de maio de 2012

O prato de Almeria (por Marcos Rolim*)


       A Comissão da Verdade é a chance histórica do Brasil vencer o silêncio e produzir a vergonha.
       Há quem não goste da ideia. Os que são contra a Comissão insistem na mentira, porque ela é sua única defesa. Começam a mentir quando falam que a Anistia “foi fruto de acordo” que significou perdão para “os dois lados”. A Lei, entretanto, foi imposta pela ditadura a um Congresso manietado, recebendo 206 votos favoráveis e 201 votos contrários. Um belo “acordo”, não? A oposição votou contra o projeto, porque não se tratava de anistia, mas de auto-anistia. A ditadura queria impedir que seus crimes fossem conhecidos e julgados. O resto é história para boi dormir. Quem tiver dúvida, basta ler o § 2º do art. 1º da Lei 6.683/79 que diz: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”.  A extrema-direita afirma e os ingênuos repetem que a anistia “pacificou” o País.  A lei da anistia é de 1979. Alguns anos depois, o Brasil viveu um surto de terrorismo praticado por militares que se opunham à “abertura”. Dois deles tentaram explodir o Rio Centro na noite de 30 de abril de 1981, onde milhares de pessoas assistiam a show alusivo ao 1º de maio. A bomba, entretanto, explodiu no colo de um sargento. Seu companheiro de “acidente de trabalho”, o então capitão Wilson Dias Machado é, hoje, coronel do Exército e atua como “educador” no Colégio Militar de Brasília.  Antes, em 27 de agosto de 1980, a senhora Lyda Monteiro, secretária da OAB, foi despedaçada ao abrir uma carta-bomba endereçada ao presidente da Ordem, Eduardo Seabra Fagundes. Os responsáveis por estes crimes, entre tantos outros praticados antes e após a anistia, nunca foram responsabilizados, sequer processados.
       A Comissão da Verdade foi proposta pela 3º edição do Plano Nacional de Direitos Humanos, de 2009. Virou projeto de lei aprovado pela Câmara e pelo Senado após incorporar várias emendas da oposição. Para os mentirosos, este processo é “viciado”. A presidenta Dilma indicou os membros da Comissão, na forma da lei, escolhendo pessoas de notória capacitação e dignidade. O desafio não é o de punir, mas o de revelar. Não importa, o processo segue sendo “viciado” para as viúvas da ditadura. Compreende-se.  O difícil para os amantes do silêncio é a perspectiva do horror vir à tona, como aquele prato de que nos falou Neruda em Almeria “com restos de ferro, com cinzas, com lágrimas, um prato submerso, com soluços e paredes caídas”, todos os dias, ao café da manhã. Quando isto ocorrer, o Brasil terá atravessado o espelho da dor infinita dos que não puderam enterrar seus mortos e que, ainda hoje, são obrigados ao cinismo dos que negam a existência da tortura. A Comissão não deve se furtar ao exame de quaisquer das graves violações aos direitos humanos praticadas no período, independentemente de sua origem ou motivação ideológica. Mas, por óbvio, seu foco é o terror de Estado, porque é este que não se sabe. Ao final deste processo, o Brasil terá mais consciência sobre si mesmo e haverá na opinião pública mais apreço pela democracia e menos espaço para os covardes.

*Este texto foi publicado numa das edições de Zero Hora do fim-de-semana passado. Exatamente no seu verso, em outra coluna, Flávio Tavares trata do mesmo tema e, à certa altura, diz: "... a Comissão da Verdade, constituída pela presidente Dilma, evitará que se ignore o que ocorreu no passado recente para, assim, saber por que o Estado violou seus próprios princípios e usou o terror para assegurar o poder. Mesmo investigando violações aos direitos humanos cometidas desde 1946, é óbvio que a Comissão concentrar-se-á nos anos da ditadura surgida em 1964. Deverá penetrar fundo, porém, e ir à verdade do ponto de partida: quem incitou ao golpe militar? Por que a esquadra dos Estados Unidos zarpou rumo ao Brasil em apoio aos golpistas? Quem ensinou a abjeção da tortura a um setor das Forças Armadas? Quem treinou e preparou os torturadores e a mando de quem? Bastam essas premissas para desnudar a tortura e os assassinatos cometidos em nome do Estado, como se o crime salvasse a humanidade. (No quartel em que fui torturado no Rio de Janeiro, a máquina do choque elétrico tinha a insígnia da Aliança para o Progresso e uma inscrição: Donated by the people of United States)."  

Um comentário:

  1. Fantástico! o rei (torturadores) está nu, vão comendo essa massa, covardes de uma figa.
    Achei que não estaria vivo para assistir por Rubens Paiva, Zuzu Angel, a irmã do Marcelo Paiva (foi molestada com 15 anos) que sequer em armas pegaram.
    Razão tem Paulo Sérgio Pinheiro: "vamos acabar com essa bobajada de investigar ambos os lados, até porque um não existe mais foi torturado, estuprado, empalado (Mario Alves), afogado (Manoel Raimundo Soares) e desaparecido (Araguaia)".
    Tem gente na imprensa que tergiversa quando da responsabilidade da tortura, querendo colocar os torturados no mesmo barco.
    São os filhotes da ditadura e responsáveis também, tribunal popular neles, pela tortura e assassinatos.
    Aldyr, tens assistido às manifestações do Levante Popular da Juventude? vão pelo país todo frente às casas dos covardes com as inscrições:" aqui mora um torturador"
    Vai no site do Levante, tem vídeos que os bundões da imprensa saudosista não mostra.
    Estive lá(é uma forma de não apodrecer)na manifestação em frente do antigo Dopinha na Santo Antonio, um DOPS clandestino, casarão mal-assombrado pelas almas insepultas que andam por lá.
    Está à venda pelo herdeiro por 2 milhões, quem se habilita?

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