Era março de 1975. Eu, com 15 anos, chegava de Bagé junto com cinco irmãos, para morar e estudar em Pelotas. Minha irmã mais velha alugou uma casa próxima da Zona da Várzea. Fui matriculado na única turma de oitava série do primeiro grau da Escola Municipal Carlos Laquintinie. Nome muito esquisito, francês e lê-se Lacantiní. Mas, de cara, simpatizei com o Colégio.
Naquela época, as escolas públicas eram bem melhores, todos reconhecem. Deviam ser mesmo, porque, no ano seguinte, fui aprovado em quarto lugar no vestibular da ETFPel. E olha que eu nunca fui lá muito estudioso.
O pequeno Colégio, em frente ao Porto, deixou marcas profundas em minha vida. A primeira namorada, o primeiro beijo, as bagunças com os colegas da oitava, as brincadeiras na garagem, que era como chamávamos as nossas baladas de então... Banhos nas doquinhas, sorvete no Maryland, a Polonesa, os ensaios da Telles e da Bruxa... Ah! e tinha os terríveis, enigmáticos e assustadores "bandidões" da zona: Sebinho, Pardal, Casacão e Diabo Loiro... Que nos causavam temor e admiração... Tinham fama de valentões, brigões e não podiam ser contrariados, senão...
Mas o que a gente gostava, mesmo, era de jogar bola. Eu, apesar de muito magro, era um veloz e promissor ponta-direita. Cheguei a vestir as camisetas de dois times da Zona da Várzea: do Fiação e Tecidos e do Penharol. Em Bagé, na infância, sonhava jogar no Guarany e, depois, no Grêmio. Mais tarde, optei pelos estudos e, creio, o mundo perdeu um craque...
Um belo dia, recebi de alguns colegas um convite emblemático. Formar um grupo com status de gangue, para pegar tijolos em obras e ajudar na construção do Estádio Bento Freitas. No início, fiquei com medo, mas, em seguida, o espírito de aventura juvenil e a adrenalina falaram mais alto. Além do que, Sebinho, Pardal, Casacão e Diabo Loiro, qualquer problema, estariam do nosso lado, acreditávamos...
Juro que não lembro quantos, dos parcos tijolos que peguei . O que não esqueço é da alegria que sentia, junto com meus "colegas-comparsas", quando estregávamos nossa contribuição. Também não dá para esquecer os percursos intermináveis carregando dois ou três tijolos cada um, para construir o "nosso" estádio.
Não me movia um fanatismo inconsequente. Tampouco alguma consciência das necessidades ou algum apelo de um ou outro dirigente do time. Era aventura... pura ingenuidade. Nos imaginávamos Robin Woods do Laquintinie, algo assim...
Hoje, ciente do erro que cometíamos, estranhamente, ora me envergonho, ora sou invadido por sentimentos que misturam saudade e alegria. E até uma pontinha de orgulho. Espero, diante de tal confissão, que o "crime" esteja prescrito. Até porque, ninguém nunca nos viu cometendo-o. Éramos muito rápidos. Pelo menos, era o que achávamos. E outra, não foram tantas noites assim, nem tantos tijolos...
De tudo, o que ficou, além das lembranças, é um gosto bom de torcer pelo time "da nossa zona" e sentir-se parte dessa imensa e contagiante torcida rubro-negra.
E foi assim que me tornei xavante.
Esta crônica foi publicada originalmente no DP de hoje e é de autoria do Ivan Duarte, que comigo regula de idade - fomos contemporâneos de universidade. O texto nos remete a uma época que, para mim, também foi muito especial. Por coincidência, como ele, eu morava na Várzea, só que bem perto do Bento Freitas. E, como o Ivan e todo mundo, tinha imenso temor dos famigerados Sebinho, Pardal e Casacão (já mencionados aqui no BF, na postagem "Salve, salve, ó Pelotas querida!", de 25 de abril). Nunca estive cara-a-cara com qualquer um deles (ainda bem!), e hoje nutro dúvidas acerca da real existência dessas possíveis "lendas urbanas".
Já a ampliação do estádio, essa aconteceu de fato, fui testemunha. E foi à custa do trabalho voluntário, com material "doado" pelos torcedores, num verdadeiro milagre, que se deu em tempo recorde, entre a inesquecível vitória xavante no Bra-Pel decisivo do Torneio Seletivo de 1977 (1x0, gol que, nos nossos corações, imortalizou o ponteiro Tadeu Silva) e o jogo inaugural do Campeonato Nacional de 1978 (0x1 Joinville, que se encerrou sob o maior temporal já visto nesta terra).
Esta crônica foi publicada originalmente no DP de hoje e é de autoria do Ivan Duarte, que comigo regula de idade - fomos contemporâneos de universidade. O texto nos remete a uma época que, para mim, também foi muito especial. Por coincidência, como ele, eu morava na Várzea, só que bem perto do Bento Freitas. E, como o Ivan e todo mundo, tinha imenso temor dos famigerados Sebinho, Pardal e Casacão (já mencionados aqui no BF, na postagem "Salve, salve, ó Pelotas querida!", de 25 de abril). Nunca estive cara-a-cara com qualquer um deles (ainda bem!), e hoje nutro dúvidas acerca da real existência dessas possíveis "lendas urbanas".
Já a ampliação do estádio, essa aconteceu de fato, fui testemunha. E foi à custa do trabalho voluntário, com material "doado" pelos torcedores, num verdadeiro milagre, que se deu em tempo recorde, entre a inesquecível vitória xavante no Bra-Pel decisivo do Torneio Seletivo de 1977 (1x0, gol que, nos nossos corações, imortalizou o ponteiro Tadeu Silva) e o jogo inaugural do Campeonato Nacional de 1978 (0x1 Joinville, que se encerrou sob o maior temporal já visto nesta terra).
Nenhum comentário:
Postar um comentário