Fotografia que servirá de modelo para a confecção do busto em homenagem a Herr Doktor Golbery no além São Gonçalo |
Ao longo dos anos, tenho desenvolvido e orientado estudos sobre construções de monumentos e suas peculiares relações com as sociedades promotoras. Durante tais processos é bastante corriqueiro encontrar significativas divergências históricas, questões “esquecidas”, glorificações ajustadas, forçadas, quando não inventadas, disputas e apropriações do bronze por grupos políticos ou intelectuais. Entretanto, todos esses estudos mostraram nitidamente um fio condutor que justificasse, ainda que de forma deliberada pelo contexto da época da edificação, a homenagem ao personagem escolhido. Foram momentos peculiares, em que parte da população buscava, ao longo de história, figuras que melhor pudessem representar seu passado e servir de modelo para a consolidação de uma nova identidade. Questões, como Bento Gonçalves era monarquista ou republicano?; Artigas era oriental ou uruguaio?, naturalmente permearam as discussões na imprensa e no seio das comissões responsáveis pelo planejamento das obras representativas desses personagens nas primeiras décadas do século 20. Hoje, separado por um século, deparo-me com uma situação diferente, inimaginável e insólita nos tempos atuais: uma homenagem à violência, à censura e à opressão.
Ainda que a obra proposta se resuma a um simples busto de Golbery do Couto e Silva, não possuindo a magnitude de um conjunto monumental como o erguido a Bento Gonçalves ou ao brigadeiro José da Silva Paes, a sua efígie não trará um mero discurso inocente, despropositado e facilmente digerido e aceito pela comunidade rio-grandina. Ela causará uma cicatriz bem mais profunda e perene na memória local.
Estranha-me muito ver uma instituição partidária que, se no passado lutou pela volta da democracia no Brasil, hoje participa com orgulho da perpetuação de um dos personagens com atuação demarcada pelo regime opressor instaurado com o Golpe de 64.
Indigna-me o fato de que ali, em frente ao busto do homenageado, passarão dezenas e dezenas de cidadãos, rio-grandinos ou não, que um dia sofreram a violência de um regime que silenciava a todos aqueles que ousavam ter voz em um país que, para o bem do governo, deveria ser mudo.
Repulsa-me o fato de imortalizar alguém que se constituiu em personagem basilar de um regime em que a palavra “assassinado” era substituída por “desaparecido”, quando a palavra “democracia” valia menos que um cano de revólver em uma sala escura ou em um porão.
Com essa homenagem, estaremos dando um atestado contra o próprio movimento democrático brasileiro e sul-americano. Enquanto sociedades vizinhas, como a uruguaia e a argentina, estão alocando os antigos torturadores e ditadores no banco dos réus, nós, rio-grandinos, estamos alçando-os a um pedestal em praça pública.
Por vários motivos o erguimento de um busto público homenageando uma das principais figuras de um regime opressor soa-me como um rotundo deboche àqueles que acreditavam e acreditam na consolidação da democracia brasileira. Os políticos e a sociedade de um modo geral, não precisam buscar naquele período sombrio, instaurado em 1964, figuras para serem imortalizadas no bronze. Tão pouco o Exército brasileiro precisa desenterrar da história um passado tão nebuloso em busca de uma figura exemplar (o que dizer daqueles mais de 25 mil brasileiros que, apenas duas décadas antes do golpe, embarcaram em portos brasileiros em direção à luta contra o totalitarismo na Europa?).
Como rio-grandino, confesso estar envergonhado e impotente frente uma Câmara dos Vereadores que deveria, em primeiro lugar, zelar pelo regime democrático e pela memória de nossa sociedade.
Já chegou a hora de pararmos de falsear tão estúpida e impunemente o nosso passado.
Ainda que a obra proposta se resuma a um simples busto de Golbery do Couto e Silva, não possuindo a magnitude de um conjunto monumental como o erguido a Bento Gonçalves ou ao brigadeiro José da Silva Paes, a sua efígie não trará um mero discurso inocente, despropositado e facilmente digerido e aceito pela comunidade rio-grandina. Ela causará uma cicatriz bem mais profunda e perene na memória local.
Estranha-me muito ver uma instituição partidária que, se no passado lutou pela volta da democracia no Brasil, hoje participa com orgulho da perpetuação de um dos personagens com atuação demarcada pelo regime opressor instaurado com o Golpe de 64.
Indigna-me o fato de que ali, em frente ao busto do homenageado, passarão dezenas e dezenas de cidadãos, rio-grandinos ou não, que um dia sofreram a violência de um regime que silenciava a todos aqueles que ousavam ter voz em um país que, para o bem do governo, deveria ser mudo.
Repulsa-me o fato de imortalizar alguém que se constituiu em personagem basilar de um regime em que a palavra “assassinado” era substituída por “desaparecido”, quando a palavra “democracia” valia menos que um cano de revólver em uma sala escura ou em um porão.
Com essa homenagem, estaremos dando um atestado contra o próprio movimento democrático brasileiro e sul-americano. Enquanto sociedades vizinhas, como a uruguaia e a argentina, estão alocando os antigos torturadores e ditadores no banco dos réus, nós, rio-grandinos, estamos alçando-os a um pedestal em praça pública.
Por vários motivos o erguimento de um busto público homenageando uma das principais figuras de um regime opressor soa-me como um rotundo deboche àqueles que acreditavam e acreditam na consolidação da democracia brasileira. Os políticos e a sociedade de um modo geral, não precisam buscar naquele período sombrio, instaurado em 1964, figuras para serem imortalizadas no bronze. Tão pouco o Exército brasileiro precisa desenterrar da história um passado tão nebuloso em busca de uma figura exemplar (o que dizer daqueles mais de 25 mil brasileiros que, apenas duas décadas antes do golpe, embarcaram em portos brasileiros em direção à luta contra o totalitarismo na Europa?).
Como rio-grandino, confesso estar envergonhado e impotente frente uma Câmara dos Vereadores que deveria, em primeiro lugar, zelar pelo regime democrático e pela memória de nossa sociedade.
Já chegou a hora de pararmos de falsear tão estúpida e impunemente o nosso passado.
* Juarez Rodrigues Fuão, autor desse texto publicado hoje no Diário Popular, é doutor em História e professor adjunto do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Furg. É, também, beatlemaníaco e grande botonista.
"Um erro em bronze é um erro eterno", já disse o poeta, belo texto para se refletir a razão de até hoje se manter extinta a culpabilidade desses bandidos.
ResponderExcluirO Ângelo (do comentário aí de cima) é o cara que, em plena época da ditadura, lá na nossa Faculdade de Direito, negou-se a apertar a mão do então Governador do Estado, o arenista Sinval Guazzeli. Eu não vi, mas o Pedro Jaime Bittencout testemunhou quando ele disse ao Guazelli: "Só aperto a tua mão depois que nos devolveres a Lilian e o Universindo!" Velho Zanatta de guerra!
ResponderExcluirPor estas e outras que, quando minha irmã ligou para minha casa dizendo que estava indo para a Santa Casa de Rio Grande, a uns 30 anos atras, para ter seu primeiro filho eu disse ..."Está certo então, pego a mãe e nos encontramos na QUINTA e trago vocês para Pelotas..."Não deu certo mas o guri acabou saindo bom mesmo assim!Já não basta ter um farol no meio da praça, a loja esquina da sorte ser no meio da quadra e a outra na frente da praça chamada de MONTE LIBANO ser de um português, devemos somente esperar a inauguração do busto, ficará muito lindo no meio da praça!
ResponderExcluirAbraços a todos
Bronze?! Homenagens da Famiglia Imperial Rio Grandina a seus ilustres cidadãos são frequentes. Já temos aqui o busto de Branco I, confeccionado em cimento e pintado de dourado, uma belezura.
ResponderExcluirTemos, também, as obras de restauro na Prefeitura, quando Nero Branco II governou. Bem legal, agora tem laje.
Teria sido esse imperador, o Nero Branco II, quem tacou fogo no prédio da prefeitura de Big River?
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