Monteiro Lobato cometeu erros graves — quem não o faz, mais ainda quando arrisca permanentemente emitir opiniões públicas —, como no ataque à arte moderna, no texto Paranoia ou mistificação, contido em Ideias de Jeca Tatu, quando atacou o trabalho de Anita Catarina Malfatti. Mas acertou em cheio quando ridicularizou a mania de utilização desnecessária de vocábulos estrangeiros (na época principalmente o francês), ao imaginar as surpresas de Camilo Castelo Branco ao reencarnar em território brasileiro (Curioso caso de materialização, também nas Ideias de Jeca Tatu). Pasmou-se com a macaquice. Camilo chegou a pensar que não estava no Brasil! 'Datou de se desmaterializar rapidamente. Antes de partir, expressou seu receio de que nos nascessem caudas e passássemos a circular pelas árvores, com bananas na munheca, desmentindo Darwin. E arrematou: "O inglês pôs o macaco no começo da evolução: vocês provam que ele acertaria melhor pondo-o no fim".
Todos têm o direito de entender que houve excesso em recente projeto de lei regulando uso de vocábulos estrangeiros. Está faltando é o contraponto, o outro lado da questão. Se querem ridicularizar o projeto, pelo menos critiquem também o ridículo emprego de estrangeirismos por puro esnobismo e complexo de inferioridade, como se percebe, por exemplo, na denominação de edifícios, de lojas, de restaurantes, de casas de diversão, em expressões publicitárias etc. O estrangeiro que vem ao Brasil fica com a pior das impressões a nosso respeito, pois vê o quanto nos curvamos diante deles. É provável que o deputado Carrion tivesse, como um de seus objetivos, denunciar estas práticas deprimentes, risíveis e humilhantes.
O complexo de vira-lata — que, aliás, não tem razão de ser — poderia ser ao menos disfarçado. Se Dominique Strauss-Kahn fosse brasileiro, estaríamos afirmando que agiu como dizem que agiu porque é brasileiro. O francês não vai declarar que Dominique fez o que fez porque é francês. A Suíça é baluarte da honestidade, mas não lembra os bilhões mal havidos e lá guardados. O Japão nem se fala: lá todos são santos; não adianta inúmeros livros descreverem a enorme influência e os horrores praticados pela máfia japonesa (Yakuza), com influência em vários círculos de poder. Quando a mulher sem calcinhas esteve no palanque de Itamar Franco (ele sequer poderia ser responsabilizado), todos lamentaram que esta vergonha sucedesse com o presidente brasileiro, esquecendo Bill Clinton com Mônica e os escândalos da família real inglesa; lá não declararam que aquilo sucedia porque eram americanos ou ingleses. A história dos EUA foi sempre recheada de corrupções (lembrem a conhecida expressão "barões ladrões") e com intensa ação do crime organizado. Não adianta o Brasil oscilar na posição de 7ª 8ª 9ª TI economia mundial: tudo aqui é mal feito. Os ditos países do primeiro mundo cometeram e cometem atrocidades horríveis pelo mundo afora. Não há espaço para arrolar milhares de situações censuráveis pelo mundo. E adiantaria? A ignorância e a má-fé insistem em desconhecê-las. Mas eles são os bons e a nós resta tentar subir de categoria usando desnecessariamente suas palavras...
Se Camilo retornasse outra vez, seu desespero aumentaria e haveria de se solidarizar com o deputado. Também aproveitaria para aconselhar menor complexo de vira-lata.
*Desembargador aposentado (artigo publicado na p. 4 dO Sul de hoje – Coluna da AJURIS)
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