sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tortura: a dialética dos meios e fins (por Franklin Cunha)*


       A tortura, para os que a justificam, sempre se remete à dialética entre meios e fins. Gillo Pontecorvo, em seu filme de 1966 A Batalha da Argélia, introduz uma cena reveladora sobre a questão: o general francês Mathieu (no filme assim é apresentado o general Massú, chefe da repressão aos nacionalistas argelinos), convocou uma entrevista com jornalistas, os quais logo lhe perguntaram se era verdade que os militares franceses torturavam prisioneiros. Muito tranquilo, Mathieu respondeu: "Senhores, o tema é se queremos que a França saia ou não da Argélia. Se vocês desejam que a França permaneça na país, não me perguntem pelos meios que emprego para conseguir este fim". Além da resposta do militar francês, o notável na entrevista foi que nenhum jornalista se atreveu a retrucar. Assim, Mathieu conseguiu atingir seu objetivo: justificar os meios através dos fins.
       Com o mesmo tipo de dialética, alguns defensores do golpe de 64 (que chamam de Movimento) e da tortura tentam justificar aqueles dois trágicos acontecimentos na história da nação e afirmam que o fato importante sucedido naquela época não foi a tortura, mas sim, o combate à guerrilha, à subversão e às ameaças comunistas, à família, à liberdade. A verdade é que o tema a ser lembrado é, sim, a tortura. O tema absoluto e definitivo é que a tortura não pode ser o meio válido para se obter nada. Isto porque tudo o que se consegue através dela nasce com o estigma da destruição física e moral do ser humano.
       Na Argentina, em 1976, em plena rua pública, foi assassinado por agentes da junta militar o jornalista Rodolfo Walsh, o qual tinha dado publicidade a uma carta dirigida aos militares golpistas, na qual, entre outras afirmações, dizia: "mediante sucessivas concessões à suposição de que o fim de exterminar a guerrilha justifica todos os meios que utilizam, vocês chegaram à tortura absoluta, intertemporal, metafísica na medida em que o fim original de obter informações se perde nas mentes perturbadas dos que a praticam para ceder ao impulso de machucar a substância humana até quebrá-la e fazê-la perder a dignidade que o verdugo já perdeu e quem os comanda também".
       Walsh, ao comentar a relação torturador-torturado, chegou à conclusão de que ambos se fundem na abjeção, na desumanidade, já que a tortura provoca a perda da dignidade do torturado quando este cede, fala, delata e assim trai seus amigos, enquanto o torturador assume a figura do artesão da dor instrumental, da vexação, da perda de qualquer escrúpulo humano.
       Enfim, humildemente, peço perdão a alguns ex-torturados e aos familiares de outros assassinados por lembrá-los de fatos tão desagradáveis, mas, creio, ainda tempestivamente necessários. e, aos torturadores, que a desmemória não os perdoe.

*Artigo - que eu gostaria de ter escrito - publicado na Zero Hora de quarta-feira passada.

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