Logo que o TRE a publicou, recebi do meu pai cópia impressa da relação dos "nossos" candidatos a vereador. Por isso, antes mesmo desse pessoal passar a desfilar no horário da propaganda gratuita no rádio e na televisão, já tinha certa familiaridade com eles, percebendo o quanto aumentou o número de figuras excêntricas a postular uma cadeira no legislativo. Efeito Tiririca, talvez.
Com a ajuda da Fernanda, fiz uma classificação desses candidatos extravagantes, que começa pelos que têm designação nada mais do que singela. São a Fran, o Biga, o Pablito, o Seu Zé, a Cema, a Tia Chica, a Gabi, o Billi, o Lipi, o Lelei e a Taty. Devem esperar os votos dos familiares, talvez dos amigos próximos.
Já a segunda leva é composta pelos que buscam receber sufrágios de eleitores a quem atenderam, prestaram serviços: o Elsinho da Saúde, a Leila da Rádio Concórdia, a Maria do Sanep, a Empreguete, a Nóris das Matrículas, o Claudinho Mototáxi, o Toninho da Rodoviária, o Pastor M. Garcia, a Catadora Mariza, o Delegado Mazim, o Professor Gustavo, o Toninho do Cartório, o Instrutor Claudinho, o João da Feira, o Nilton Pescador, o Detetive Barcelos, o DJ Rui Jordão, a Janete das Balas, o Marcelo da Rei da Construção e o Mestre Puma.
Outros, ao que parece, querem se eleger com a votação da vizinhança: o Beto da Z3, o João do Mato, o Zé da Praia, a Beth do Fragata, a Mara da Praia e o Jorginho do Bafo.
À parte, encontram-se os que sonham com a Câmara em razão de se distinguir fisicamente dos demais: o Baixinho da Getúlio, o Boca, o Leandro Foguinho, o Barriga, o Montanha, o Banha, o Eduardo Cabeça, o Alemão Júlio, o Crizel Bebezão e a Preta Dri.
Tem os frutas: o Melancia e o Goiaba; tem os palhaços assumidos: o Fala Bagaceira, o Cláudio Palhaço, o Bebé e o Palhaço Poeirinha; tem os muitos estranhos: o Surdina, o Casaco, o Thiago Tá Ligado, a Santinha e o Catapora. E os que afrontam a língua: o Pantalhão, o Vilmar Eletrecista, e o Jari do Gáz.
Com toda certeza não são melhores, nem piores, do que os outros, seus colegas de listagem, que não se apresentam com nomes esquisitões. O assunto mereceria um estudo sociológico. Na falta de capacidade para tanto, reproduzo abaixo a crônica "Tô focado", do Luis Fernando Veríssimo, publicada na Zero Hora de segunda-feira passada, que traduz com perfeição o que penso sobre o tema.
"Tô focado"
Como a matéria do Universo, uma carreira política também se forma do nada. Há casos de vocações políticas claras — líderes comunitários com credenciais indiscutíveis para pleitear cargo eletivo, por exemplo — mas em muitos outros casos quem pede votos para começar uma carreira política só tem, como credencial, sua vontade — e sua coragem.
Daí esse patético desfile de candidatos no horário eleitoral, com poucos segundos para se apresentar ao eleitor, tentando arrancar do nada uma justificativa para querer entrar, ou continuar, na política. É fácil fazer pouco de candidatos folclóricos que buscam desesperadamente se destacar dos outros com um apelido ou um slogan pitorescos (lembro de um gordinho que só ficava sorrindo para a câmera enquanto aparecia na tela sua razão para estar ali: “Bom filho”) ou, sem nenhum jeito para aquilo, explorando a notoriedade alcançada em outra atividade, como o futebol.
Mas não se queixe. O que você está vendo é a democracia no seu estágio primitivo, ainda na forma gasosa que precede a criação. E os folclóricos podem surpreender. O Tiririca eu não sei, mas o Romário se revelou um bom e ativo congressista.
Numa eleição passada, numa cidade do interior, um candidato fez campanha com uma única frase. Era um fotógrafo que ganhara uma boa reputação na cidade retratando a sociedade local — reuniões de família, formaturas, debutantes, etc — e decidira ser vereador. Seu slogan era “Tô focado”. A frase aparecia em cartazes e banners do candidato e ele a repetia em comícios — “Tô focado! Tô focado!” — querendo dizer que estava concentrado nos problemas da cidade, que enquadraria, na câmara de vereadores, como enquadrava seus retratos na câmera fotográfica.
Gastou todo o seu dinheiro na campanha, mas perdeu a eleição. E o pior é que depois não faltaram pichadores que percorreram a cidade fazendo pequenas alterações na frase “Tô focado”, entre o “fo” e o “do”, impiedosamente.
Apesar dos desgostos e do ridículo não existe outra maneira de a democracia começar a não ser nesse nível, com o risco de elegermos palhaços e apenas bons filhos. Sempre há a esperança que, no cargo, eles se mostrem bem focados..
É o preço de se erigir uma liberdade irreversível, sólida e social.
ResponderExcluirPerfeito o Veríssimo, nosso maior cronista.
Identifiquei-me por afinidade geográfica com o João do Mato, a Tia Chica por identidade com o hit da minha infância "Pau no gato", o Detetive Barcelos não será o codinome do Ed Mort ?
Bilhões de vezes melhor a alternativa que acabaste de descrever do que o AI-5, Pedro Seelig, Fleury, Erasmo Dias, Capitão Albernaz, Brilhante Ustra, Dops, Doi-Codi, Oban etc...
Esse é o sentido da coisa. Por quantos anos tivemos que sonhar em poder escolher, nem que fosse entre a Mara da Praia e o João do Mato. Erasmo Dias, Fleury, nunca foram escolhas nossas...
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