quinta-feira, 17 de novembro de 2011

"Veja errou..."

      Sob o título "Refluxo gregoriano", em 18 de outubro postei: olhando para o chão/o homem reconheceu a própria cara/na do sapo entocado/em que recém escarrara. O "gregoriano" do título evidentemente fazia referência ao poeta Gregório de Mattos (o "Boca do Inferno"), a quem, erroneamente, atribuia a autoria dos célebres versos "O beijo, amigo, é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que apedreja". Na verdade, Gregório de Mattos nada tem a ver com isso, nem com beijo, nem com escarro (muito menos com sapo entocado!). Os versos que justificavam a citação são de outro poeta, Augusto dos Anjos - sequer contemporâneo dele.
       Ainda bem que não preciso fazer a prova do Enem! Aliás, os professores de Literatura reclamam que esse tipo de conhecimento não é cobrado no Enem.


Gregório de Mattos e Guerra nasceu em Salvador, na Bahia, em 1633. É considerado o primeiro de nossos poetas satíricos. Apelidado de "Boca do Inferno", tinha a "língua destravada" e "fácil veia poética". Estudou humanidades em Portugal, completando o Curso de Direito na Universidade de Coimbra. Chegou a exercer a magistratura em Portugal.  Por aqui, foi por algum tempo protegido do arcebispo da Bahia. Entretanto, devido a seu comportamento pouco ortodoxo, perdeu esse peneplácito, sendo degredado para Angola. Posteriormente, reabilitado, voltou ao Brasil, indo morar em Recife, onde morreu em 1696. Além de versos satíricos e humorísticos, escreveu poesias eróticas com grande incontinência verbal.  É o patrono da cadeira n.º 16 da Academia Brasileira de Letras.

A UM LIVREIRO QUE HAVIA COMIDO
UM CANTEIRO DE ALFACES COM VINAGRE

Levou um livreiro a dente
de alface todo um canteiro,
e comeu, sendo livreiro,
desencadernadamente.
Porém, eu digo que mente
a quem disso o quer taxar;
antes é para notar
que trabalhou como um mouro,
pois meter folhas no couro
também é encadernar.

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no interior da Paraíba, em 1884. Desde muito cedo era tido por "doentio e nervoso". Formou-se na Faculdade de Direito do Recife (mas não chegou a exercer profissão ligada à área jurídica, ganhando a vida como professor de português e de geografia). Teve somente um livro publicado, "Eu", em 1912, que é considerado parnasianismo sob alguns aspectos e simbolista sob outros. Nele "canta a degenerescência da carne e os limites do humano". Morreu de pneumonia aos trinta anos de idade, em 1914. Ignorado na sua época, tornou-se, com o passar do tempo, um dos poetas de maior aceitação popular no país.

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - essa pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija! 

*BF consultou "Roteiro Literário de Portugal e do Brasil - vol 2" (Ed. Civilização Brasileira, 1966), de Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda,  para aplacar sua ignorância. A do responsável pelo blog, evidentemente. 

5 comentários:

  1. "Doentio e nervoso" e cursou Direito parece com alguém que conheço, pena não ter jogado no Xavante.
    Augusto dos Anjos meu ídolo.

    Angelo

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  2. Aldyr, por falar em Augusto dos Anjos fui à estante e descobri um "Toda Poesia" edição comentada por Ferreira Gullar.
    Uma vez em uma aula de Direito Comercial decorei a primeira estrofe do "Monólogo de uma Sombra"
    "Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
    Do cosmopolitismo das moneras...
    Polipo de recônditas reentrâncias,
    Larva de caos telúrico, procedo
    Da escuridão do cósmico segredo,
    Da substância de todas as substâncias!
    Fantástico! tirei zero em Direito Comercial, mas aprendi o resto do "Monólogo".
    Quando eu era lúcido me chamavam de louco.

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  3. Olá...vim parar aqui através de um comentário deixado no blog do Rubens e me surpreendi. Nem bem começei a passear pelo blog e de cara, me deparo com Greg(perdoem minha intimidade)e Augusto.Mas essa não é a principal razão do meu comentário, as poesias de ambos. Luto diariamente para "domesticar" algumas pessoas,para que deem nomes ao bois.Em outras palavras: citem sempre a autoria de tudo que não seja produzido por vocês.
    A VEJA, embora tenha citado,erroneamente, é só mais uma numa leva que não para.Impossível citar aqui, pelo número absurdo, a quantidade de textos atribuidos a outras pessoas,que não o verdadeiro autor.
    Vamos fazer um esforço e checar a fonte do que nos foi enviado. Não façamos como a "rainha dos apócrifos",Ana Maria Braga. E citem sempre o autor.
    Respeite a LEI DOS DIREITOS AUTORAIS n° 9610/98.Violá-los, É CRIME!

    Abraços e parabéns

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  4. Cara Milene, as pessoas que frequentam este blog leem um livro no mínimo por mês, e frequentam sebos e livrarias.
    Textos com autoria errada geralmente emprestado a autores famosos é ação típica de gente que jamais leu um livro na vida.
    Alguém que lê conhece o estilo do autor consagrado, e reconhece de cara que aquele texto geralmente medíocre não é de Quintana, Veríssimo ( muito visados ) ou seja lá quem for.
    Geralmente são escritos de auto-ajuda(argh!)ou de algum autor que gosta de dar "bons conselhos" aos leitores.
    Este blog realmente merece parabéns de todos seus leitores, pelo cuidado com que o autor tem com tudo que publica além do humor raro e crítico.

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  5. Pessoal: este blog possui uma espécie de sistema através do qual todo e qualquer comentário a respeito de postagens fica na dependência de leitura prévia por mim e, posteriormente, de minha liberação para a publicação. Fico meio cabreiro com isso, na medida que, de certo modo, me vejo exercendo censura prévia. Mas... vá lá! É conveniente, como forma de evitar brincadeiras de mal gosto, por exemplo. Peço, todavia, que os comentários endereçados ao BF sejam "assinados", mesmo quando iniciados pelo tradicional "Anônimo disse". Ok?

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