domingo, 6 de novembro de 2011

Jaguarense (por Andrey Schlee)


       A sensação que tenho é que ele sempre esteve ali. Ou eles... De um lado, um casarão com dez sacadas, e de outro, outro, mas com doze! Dois palacetes, dois edifícios singulares, dois clubes, muitas lembranças. Sobre cada porta central, na platibanda, uma estatueta. Simbólicas figuras femininas representativas do Harmonia e do Jaguarense. Clubes sociais e recreativos mantidos por estratos de uma mesma classe dominante em competição, por vezes, incessante. Separando os dois, um pavoroso hotel Sinuelo. Ligando os dois, um conjunto infinito de memórias...
       E é exatamente por isso que a sensação que tenho é que ele sempre esteve bem ali. Na tradicional esquina da Praça Alcides Marques com a rua Carlos Barbosa.
       No Jaguarense desfrutei de muitos bailes infantis. Vestindo “badeca” e camiseta listrada comprada nas Pernambucanas aproveitei cada momento burlesco. De bermuda, arrastava meus joelhos pretos no piso do salão principal. Como era divertido catar confetes! Algo psicodélico, piso geométrico desenhado pelo meu pai com confetes multicoloridos... Nas noites de carnaval, o programa era esperar o corso. Em torno da meia noite as rainhas chegavam, ou passavam. Carros alegóricos, as respectivas cortes, alguns mascarados e dois ou três bêbados (os cachorros fugiam com o estrondo dos foguetes!). Os adultos acompanhavam o desfile até os clubes e os bailes finalmente iniciavam. Os velhos e as crianças voltavam para casa. Certa vez, orgulhoso, vi passar um carro desenhado pelo pai. Era do Jaguarense, com uma rainha branca, uma choupana africana e dois grandes coqueiros. Segundo a Danda, era coisa de dar inveja ao carnaval carioca...
       No Jaguarense, frequentei pelo menos um memorável baile de debutantes – eu, o Carlos e a Cláudia (mas essa é outra estória). Um Clube onde o tio Tato não permitia beijos na boca!
       Também no Jaguarense participei de meu único campeonato de botão, jogando com todos aqueles craques, especialmente os baianos (o Dartanhã, o Jomar, o Hozaná, o Bury). O campeão foi outro baiano, mas com nome estranho: Moscovits. Foi também no Jaguarense que o Ari (Aldyr) mostrou que era bom mesmo! Sagrando-se campeão brasileiro de futebol de mesa em 1986(*). Por outro lado, o Cruzeiro do pai foi só uma bela promessa... E o Artigas nem decolou! Mas deixou saudades...
       Por tudo isso, e muito mais, quando o pai me mandou uma mensagem contando que o forro do Jaguarense havia desabado, eu não acreditei. Quando recebi um telefonema da Superintendente do IPHAN no Rio Grande do Sul, relatando a tragédia de Jaguarão, eu relutei em ouvi-la. Quando as primeiras fotos do Clube arruinado foram colocadas na minha mesa de trabalho, eu preferi não vê-las. Mas elas estavam ali.
       Como o Jaguarense sempre esteve lá. Repleto de memórias. Inclusive as minhas.
       Mãos à obra!!!!

*Na realidade o título referido no texto foi conquistado no Ginásio João Carlos Gastal, em Pelotas, em 1986.  

2 comentários:

  1. Dá para ve, à direita da foto, um pedacinho do magnífico sobrado que foi demolido para construirem o hotel sinuelo.

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  2. Muito gosto em conhecer o seu blogue e um grande abraço ao seu pai o meu grande, grande amigo, Aldyr garcia Schlee, desde Lisboa.

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