quarta-feira, 10 de abril de 2013

O nome feio (Luis Fernando Verissimo)*

No meu tempo... Parênteses: sempre que um cronista começa a crônica com “no meu tempo” significa que está sentimentalizando sua velhice para não precisar lamentá-la, o que não interessaria a ninguém. No meu tempo, como eu dizia quando me interrompi tão rudemente, ler ou ouvir um “nome feio” fora de contexto era sempre uma felicidade.

Me lembro da minha surpresa ao descobrir que havia nomes feios nos dicionários. Agradávamos aos nossos pais, dando a impressão de que fazíamos uma pesquisa etimológica séria no dicionário, quando na verdade estávamos procurando “bunda”. No meu tempo, entre parênteses, “bunda” era nome feio.

Em Porto Alegre, há muitos anos, existia uma loja chamada Casa Carvalho. O nome da loja aparecia em letras aplicadas à sua fachada e, dependendo da sua faixa etária e da sua disposição para pensar em bobagem, você ou pertencia ao grupo que vivia em alegre expectativa do dia em que o “v” de “Carvalho” caísse, ou ao grupo mais velho que vivia em sobressalto com a possibilidade de isto ocorrer.

Que eu me lembre, o desejado ou temido nunca aconteceu e a loja chegou ao fim dos seus dias com o “Carvalho” intacto. Mas, durante toda a sua existência, apenas aquele pequeno detalhe separou o estabelecimento do vexame e a cidade de um abalo moral.

No Rio, entre Copacabana e Ipanema, existe uma rua que eu já ouvi ser chamada de “Quase, quase”. Trata-se da Bulhões de Carvalho, que depende apenas de uma letra para deixar de ser um nome de família e se transformar numa raridade anatômica. No meu tempo isto seria motivo para muita risada, mas como hoje não existe mais “nome feio”, e até em conversa de criança palavrão é usado como pontuação, perdeu a graça.

Posso imaginar um avô atual chamando a atenção do neto para a consequência de um único erro de grafia no nome da rua e o neto fazendo uma cara de “Me poupe”.

Eu e o hipotético avô acima pertencemos à última geração que espantou o Condor, o que explica nossa ingenuidade. Na apresentação dos filmes da distribuidora Condor aparecia um pássaro condor na beira de um precipício pensando em alçar voo, e era comum, era quase obrigatório, a plateia espantar o condor, que sem este incentivo jamais voaria.

Nunca mais se espantou o condor, se é que o condor ainda existe. Olha aí, acabei me lamentando.

*Crônica publicada na ZH, semana passada.

Testemunho biopolariano:

Todos éramos mais simplórios mesmo. No meu tempo de Santa Margarida chegamos, eu e um bando de colegas, a ir ao centro contemplar, aos risos, a obra de alguém que alterou o letreiro de uma carrocinha de pipocas, puxando uma perninha na letra pe da segunda sílaba da Pipoquinha do Jesus. Minha filha, hoje, me diria, se a ela contasse essa história: "tá, e daí?".
Naquela época também passei pela incrível experiência de descobrir "nomes feios" no dicionário. Bah, estava "tudo" lá, no velho Aurélio arredondado nos cantos e cheio de orelhas. "Merda"... estava lá! "Puta", estava! "Cu", também estava, e sem acento! "Boceta"! Opa, "boceta"? Como assim? Não é bu?
Vivendo e aprendendo! Aliás, defendo a ideia de que, como a língua é um ser vivo, os "nomes feios" deveriam, na forma escrita, seguir a forma através da qual são (foram e sempre serão) verbalizados. Então, cu tem que ser grafado, por razão enfática, com acento agudo: "cú"! E buceta jamais terá graça se for "boceta"! Afinal, pode-se admitir que alguém, deseje, seriamente, que o outro vá se "foder"?

3 comentários:

  1. Lavro aqui meu protesto, diante desse testemunho que agride o recato, os bons costumes e os princípios que norteiam as leis pétreas do pudor.
    Um ataque vil à pudicícia da família, tradição e propriedade.
    Nossa juventude cada vez mais casta, não se deixará levar por epítetos que consagram a ignomínia, muito menos por ideologias estranhas
    ao convívio inocente de nossos irmãos.
    Te cuida, Silas Malafaia.

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  2. Na minha infância ouvi o relato de que o costureiro/colunista Carlos Alberto Motta ficava em frente a padaria "Pão Gostoso", ali na quinze, torcendo para que o til caísse ! Verdade ? Não sei...
    O que lembro bem foi quando lá por 1982, o jornal Diário da Manhã publicou na página de esportes, na legenda de uma foto, que o lesionado atleta Castilhos estava "com tesão grave"...e o revisor não viu a troca do L por um T ???

    Oduvaldo Jr.

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