segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Santinhos

O carnaval, antigamente, era no centro da cidade. Os desfiles aconteciam nos paralelepípedos da Rua XV e as famílias acompanhavam tudo nas cadeiras e bancos colocados ao longos das calçadas. Valia lança-perfumes, confetes e serpentinas. Valia, também, nas banquinhas colocadas à volta da praça, cachaça, cerveja, churrasquinho, pastel, melancia e mijo. Muito mijo.

O futebol, antigamente, era jogado nos três campos da cidade. No Bento Freitas, pelo menos, os torcedores precisavam chegar cedo para conseguir um bom lugar, não importando ter que aguardar o início do jogo durante horas sob o calor abrasador ou o frio congelante das arquibancadas de cimento áspero. Como quase sempre havia muito público, acabava-se, via de regra, assistindo aos jogos de pé. O consumo de bebida alcoólica, vendida em improvisadas "copas", era liberado. As "necessidades" dos torcedores eram feitas nas fétidas entranhas das gerais, com a possibilidade do mijo coletivo ser acondicionado em sacos plásticos para ser lançado sobre as cabeças dos incautos. Valia jogar o que se bem entendesse no juiz ladrão e, especialmente, nos seus coadjuvantes bandeirinhas. Valia, também, pressão psicológica verbal, como cantorias do tipo "uh, vai morrê!; uh, vai morrê!" ou "ô bandeirinha, ô bandeirinha, teu pai é corno e tua mãe é uma galinha".

As eleições, antigamente (mas não muito), contavam com candidatos que empolgavam, que faziam comícios inesquecíveis, abarrotados de correligionários e simpatizantes. Os debates eram inesquecíveis. Os partidos tinham evidentes diferenças ideológicas. A cidade ficava pintada para as eleições e seguia marcada pelas eleições. No dia da votação valia "boca de urna" e milhares de "santinhos" cobriam as cercanias das mesas eleitorais. 

Hoje o carnaval foi parar em um local escondido, cercado por tapumes e telas. Foi enxotado para um gueto, onde só vai quem participa das entidades inscritas nos concursos (inclusive burlescos!) e só assiste aos regrados desfiles quem paga ingresso. Não sei se mijar é permitido ao público e aos foliões. Melancia não pode! 

Hoje não se bebe no futebol, reclama-se do desconforto dos nossos vazios "estádios" e se torce sentado. O clube perde mando de campo se alguém jogar um radinho para as "quatro linhas". Prendem o torcedor que for pego "portando" um foguete.

Hoje as eleições são marcadas por candidatos insossos, que seguem scripts parecidos, preparados por marqueteiros contratados a peso de ouro. As campanhas parecem-se muito umas com as outras. Os candidatos também, inclusive ideologicamente (se alguma ideologia ainda há). A propaganda política é super restringida pela legislação eleitoral.


Sobraram os "santinhos", como nostalgia de outros tempos. Mas, pelo jeito, eles também estão com os dias contados.

A onda do "politicamente correto" escolheu esses ícones da democracia (porque de confecção barata, acessível financeiramente ao mais miserável dos candidatos a vereador) como bola da vez nesta última eleição. "Sujam a cidade", dizem. "Entopem os boeiros", afirmam. Diversos desenhistas, no dia seguinte à recente eleição municipal, publicaram nos jornais charges com o mesmo mote: a sujeirama das cidades, causada pelos "santinhos" dos candidatos porcalhões. O assunto rendeu até editorial da Zero Hora, claro.

Que chatice! Estamos no Brasil. Por isso precisamos comemorar carnaval, futebol e eleição. Os três, por razões óbvias, têm que ser tratados, sempre, como grandes festas de participação popular. Sabemos bem -  pela própria experiência - a falta que qualquer deles nos faz, não é?

Um comentário:

  1. Aldyr, o politicamente correto está tornando a emoção ilegal, um ato subversivo em relação ao seu sistema de campos de reeducação comportamental.
    No futuro o futebol, eleição e carnaval deverão ser proibidos por ameaçarem a saúde auditiva do público.
    Parabéns pelo texto.

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