Em novembro de 1978, na Rua Botafogo, Bairro Menino Deus, em Porto Alegre, teve início o caso que ficou conhecido como “sequestro dos uruguaios”, acontecimento que ganharia repercussão internacional nos anos subsequentes.
Em 1979, o Governador Sinval Guazelli, da Arena (Aliança Renovadora Nacional, partido dos militares golpistas de 1964), esteve em visita à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas, trazido pelo então Diretor daquela instituição, Prof. Silvino Joaquim Lopes Neto.
O sequestro de Lilian Celiberti e Universindo Diaz, ativistas políticos do Uruguay, refugiados no Brasil e retirados a força da sua residência na Capital do Estado, tornou-se célebre em toda a América do Sul, por se tratar do primeiro caso, quiças o único, devidamente comprovado do “colaboracionismo” militar existente entre os regimes ditatoriais do Cone Sul, visando a captura e “troca” dos refugiados políticos no Brasil, no Uruguai, na Argentina, no Chile e no Paraguai, dentro da chamada “Operação Condor”.
Com a manobra, os regimes de exceção impediam que os ativistas políticos de qualquer um desses países pudessem colocar-se a salvo das forças policiais de outro, o que implicou em prisões arbitrárias, na tortura e na morte de um sem número de pessoas ao longo dos anos 1970.
Sequestrados os uruguaios, e levados à pátria oriental pelas forças repressoras que faziam parte da Operação Condor (policiais do Brasil e do Uruguay que trabalharam juntos no caso), tiveram início alguns movimentos de protesto no país inteiro.
A vinda do Governador a Pelotas, viria a proporcionar uma rara possibilidade de indignação diante do crime consumado pelo Estado, ainda que não fosse seguro a ninguém protestar naqueles idos de 1979, quando, diga-se de passagem, muitos dos arautos da democracia de hoje eram meros sabujos dos ditadores da época.
Sem saber ao certo o que fazer, nós, jovens estudantes da UFPel, fomos até as escadarias da Faculdade de Direito esperar pelo Governador; de repente, um grupo tomou a dianteira e passou a receber o Guazelli com calorosos abraços e prolongados apertos de mão, entusiasmando a autoridade maior do Rio Grande do Sul.
A turma da qual eu fazia parte – um grupo de não mais que quatro ou cinco estudantes – ficou atônita, mas uma coisa nós já havíamos decidido: não cumprimentaríamos o Governador do Estado sob hipótese alguma, seria a nossa forma de “protesto” contra a presença dele na Cidade e na própria instituição.
Para surpresa geral, entretanto, o Ângelo Alfonsin “Zanatta”, um dos mais agudos do nosso grupo, resolveu fazer diferente, e espichou a mão para cumprimentar o Guazelli. Perplexos, nós pensamos que ele havia enlouquecido, afinal era um dos “nossos”, e estava agora de braço estendido para o Governador.
Percebendo a proposta de cumprimento, o Guazelli também ofereceu a mão para cumprimentar o Ângelo, que, ato contínuo e surpreendentemente, recolheu o próprio braço, desferindo a frase que me acompanha todos esses anos: – Eu só vou te apertar a mão no dia em que tu me devolveres a Lilian e o Universindo – disse, para espanto e constrangimento do visitante, que, puxado pelo Diretor, se encaminhou rapidamente para o interior do prédio da Faculdade, tentando se livrar do mal-estar causado pela expressão e pela reação do nosso pequeno grupo.
Pois na sexta-feira passada (28/06), no prédio dessa mesma Faculdade de Direito da UFPel, mas no auditório, não nas escadarias, eu pude conhecer a Sra. Lilian Celiberti e contar-lhe essa pequena história; a história de um gesto simples, mas que, como tantos outros que ocorreram no mundo inteiro, serviu para denunciar o arbítrio do Estado-sequestrador, sendo suficiente, na palavra da própria Lilian, para salvar-lhe a vida e trazê-la novamente, como cidadã livre, ao nosso País, onde atualmente acontecem centenas de protestos democráticos, agora, 34 anos depois...
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Pedro Jaime e Lilian, na nossa Faculdade, 34 anos depois, sob os olhares do Bruno, do Delfim e da Gilda |
*Pedro Jaime é um velho amigo, desde a época em que estudamos juntos, no 2º Grau do finado Santa Margarida. Depois, fomos contemporâneas na Faculdade de Direito. De Arroio Grande, é Xavante e tem o Tino como referência futebolística. Aliás, é autor de "O 'Clássico' - Uma História de Paixão", sobre o futebol de sua terra, bem como responsável pelo excelente blog Auto Retrato (
http://autoretratopedro.blogspot.com.br/).